Filosofia Circular

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O Homem, a Angústia e sua Existência

 


Para a abordagem do tema de angústia precisamos antes nos localizarmos no contexto do Existencialismo.
  A proposta é a de entender o Existencialismo como especulação filosófica que visa a análise minuciosa da experiência humana em todos os seus aspectos teóricos e práticos, individuais e sociais, instintivos e intencionais, mas acima de tudo dos aspectos irracionais da vida humana.
Encontramos as origens do Existencialismo em Sören Aabye Kierkegaard (1813 -1855). Embora suas idéias filosóficas só tenham sido reconhecidas após a tradução de suas obras nos anos de 1909/1922 por Christoph Schrempf, o sucesso de suas idéias após a chamada "Renascença Kierkegaardiana" foi tanto que quase todos os autores da época a ele fizeram referência.

Além da tradução, a situação histórica tornou-se uma aliada de Kierkegaard. A primeira Guerra Mundial mostrou a vacuidade de todos os sistemas filosóficos para dar conta de uma compreensão sobre a complexidade da problemática humana.
Favorecem a sua difusão:
· O fracasso dos grandes ideais humanitários, calcados no progresso, derrubando a previsão do positivismo;
· O ambiente de insegurança e pessimismo ideológico gerado pela técnica e pela ciência, que dá origem a uma angústia vital.

Esta filosofia apresentou aos vivos e sobreviventes as interrogações que lhes eram pertinentes e próprias: qual é o sentido da existência? Da morte? Da dor? Da liberdade? Do desespero? Da angústia?
O Existencialismo é uma filosofia que considera a existência como ponto de partida para a sua reflexão.
Mas, o que significa existir? O que significa exatamente a afirmação "eu existo"? Será uma simples experiência de fato da minha existência? Em que, então, o fato da minha existência difere do fato da existência de outros seres animados ou inanimados? Será a existência o fato primordial a partir do qual os outros fatos adquirem sentido - o fato da existência dos outros, da existência do mundo, da existência de Deus?
O fato da existência pode ser indubitável. Já o sentido e a interpretação da existência não são únicos e indubitáveis, ao contrário, são diversos e diferentes.

Emmanuel Mounier em seu livro "Introdução aos Existencialismos" apresenta uma classificação dos filósofos existencialistas, recorrendo à metáfora de uma árvore. Na raiz da árvore estão: Sócrates, filósofo da Antiga Grécia fazendo apelo ao "conhece-te a ti mesmo"; os estóicos gregos e romanos, enaltecendo o domínio humano de si próprio, face às adversidades da vida e do destino; São Bernardo propondo um cristianismo vivido e que leve o homem à sua conversão religiosa, face às sistematizações teóricas da religião vigentes em sua época.
No tronco da árvore estão os filósofos franceses: Pascal, relembrando que o desenvolvimento dado às ciências naturais havia feito esquecer o homem diante da vida e da morte; Maine de Biran, mostrando que á preciso compreender o homem enquanto uma unidade corpo-alma, refutando, assim, as filosofias dualistas ou monistas de tipo sensualista. Está ainda o filósofo dinamarquês Kierkegaard, considerado pelos historiadores como o pai da filosofia existencialista moderna, mostrando como a razão é importante para, sozinha, justificar o sentido da existência humana; ela necessita de Deus que vem em auxílio do homem que se encontra no abandono injustificado. Encontra-se ainda, neste tronco a fenomenologia que, desde o seu fundador, o alemão Edmund Husserl, toma como objeto principal da filosofia o projeto de constituição da ciência do vivido, Erlebniz. Esta ciência difere das ciências positivas no estudo do homem, pois nestas o homem é apenas considerado em seu aspecto factual e objetivo. A ciência do vivido deve abordar o vivido nele mesmo, isto é, enquanto consciência, subjetividade, corporeidade, historiedade e liberdade.
Do tronco da árvore separam-se dois galhos. Um que se desenvolve com os autores de inspiração religiosa, influenciados direta ou indiretamente pela fenomenologia existencial. Dentre esses autores citamos: Max Scheller, Karl Jasper, Paul-Louis Landsberg, Nicolas Berdiaeff, Gabriel Marcel e o próprio Emmanuel Mounier. O outro galho que se desenvolve com os autores que se afastam explicitamente das inspirações religiosas: Jean Paul Sartre, Martin Heidegger, Maurice Merleau-Ponty, Jean Hippolyte, Simone de Beauvoir, Albert Camus.

Existem alguns traços comuns em todos esses autores para que possamos agrupá-los sob a denominação de existencialistas. Todos concordam que a filosofia da existência seja a negação da filosofia concebida como sistemas da existência no que esta possui de mais fundamental e concreto, os momentos vividos.
Todos concordam, também, que a existência não pode ser conhecida nela mesma como um dado objetivo da ciência: o caráter essencial da existência é a subjetividade. Assim, não se pode definir ou conceituar a subjetividade como faz a ciência natural. Só se pode descrevê-la, apreendê-la e compreendê-la sob a forma de uma história pessoal, dirá Kierkegaard, ou sob a forma da Temporalidade, dirá Heidegger.
Seguindo estas indicações podemos dizer que o existencialismo é um humanismo.

Seguindo a indicação de N. Herpin pode-se dizer que o humanismo existencial aparece em duas vertentes. A primeira que se caracteriza pela "filosofia do absurdo" com os temas, dentre outros, da angústia e da contingência. A segunda que se caracteriza pela "filosofia da liberdade" com os temas do projeto humano e da vivência de valores, dentre outros.
Vejamos o que significam estas duas vertentes:
1) A filosofia do absurdo - "se opõe às concepções clássicas que justificavam a existência do mundo e do homem por uma razão imanente ou por uma providência divina = noção de harmonia pré-estabelecida na própria natureza = cosmos". Aqui citamos Kierkegaard.
2) A filosofia da liberdade - põe em realce as noções do projeto existencial e de vivência de valores. Aqui citamos Sartre, homem = nada "a liberdade como condenação. Heidegger, Dasein "facticidade e transcendência.

Kierkegaard
A verdadeira realidade é o existente, singular. E o singular que lhe interessa é o singular homem, porque somente ele é verdadeiramente singular. Somente o homem singular vale mais que a espécie, ao contrário do que acontece entre os animais, onde o indivíduo vale sempre menos que sua espécie (vive por instinto). Somente o singular humano tem consciência de sua singularidade (pensar é doloroso e é uma forma de provocar a angústia), como ser eu em meio a todos? Chegou a desejar que por sobre a sua campa se colocasse a inscrição: "aquele singular". Consequentemente a verdade é subjetividade e bem longe de ser a "adequação da mente com a coisa" é a adequação do objeto com minha subjetividade, com as mais profundas exigências do indivíduo que eu sou e quero ser. Quanto mais passional minha ligação com a coisa, tanto mais verdadeira. E quanto menos ela é evidente à razão, tanto mais certa. A realidade é irracional por ser singular.

É por isso que ele se opunha à mentalidade de seu tempo que via no socialismo e no comunismo a panacéia dos males da sociedade. O princípio associativo pode ter valor em relação aos interesses materiais, mas é espiritualmente nocivo. Não pode haver igualdade neste mundo como sonham os socialistas porque lhe é própria a diferenciação.
E vocês sabem disso porque tentam unir homem e mundo enquanto vivência pessoal, na tentativa de salvaguardar o indivíduo num mundo em que a sociedade não passa de um conjunto de criaturas animais que se parecem com o rebanho - À sociedade importa que cada um de nós seja como os outros" a clonagem é um fato. É considerado normal quem aceita e se adapta aos padrões e valores comumente recebidos; um excêntrico e/ ou rebelde quem os recusa e combate.

Deste modo, o convite Kierkegaardiano é que sejamos verdadeiros eus .
Para Kierkegaard o absurdo implica no distanciamento da subjetividade das concepções que atribuem à razão o papel de realizadora de um sistema racional do mundo. O indivíduo é uma subjetividade que não pode encontrar o seu fundamento em nenhum sistema racional. A ética religiosa, que repousa na fé em Deus é quem pode explicar o fundamento da existência humana. O absurdo é o "lugar do silêncio", ou seja, o lugar de Deus, bem como a distância que há entre a subjetividade finita do homem e a pessoa infinita de Deus.

No pensamento de Kierkegaard, Abraão é o exemplo vivo do herói absurdo. Sem saber porque, Abraão oferece a Deus o sacrifício de seu filho Isaac. Mas, este absurdo é revelador de Deus. Com efeito, no momento exato em que se daria o sacrifício, um anjo aparece a Isaac sustando a sua ação. Deus reconheceu a fidelidade e o amor de Abraão para com Ele, pois, na sua prova, seria capaz de sacrificar o seu filho bem amado Isaac.
É preciso lembrar, portanto, que a revelação de Deus não vem tranqüilizar ou consolar o homem. Ela instaura o sentimento da angústia existencial. O homem existente se prova na inquietação e na angústia existencial. O homem existente se prova na inquietação e na angústia, como no exemplo de Abraão. Por isto é que Kierkegaard define esta angústia como "síncope da liberdade". Assim, liberdade e angústia se unem na existência. O homem é livre, em sua vida, para optar e escolher. No entanto, não há opção sem angústia. Ao escolher deixo de lado outras coisas sem ter certeza de que a escolha foi a melhor ou será bem sucedida. Quando escolho sou eu quem me escolho, pois toda opção é feita em função de uma opção interior, pela qual eu julgo que irei me realizar. No entanto, a escolha é um "salto no escuro". Não posso ter certeza a priori de que a escolha é boa, como já disse acima. Mas esta escolha não é feita arbitrariamente. Ela deve ser motivada pela busca da verdade.

A busca da verdade é a questão filosófica essencial, pensa Kierkegaard. Não se trata de uma verdade abstrata ou formal. É uma verdade vital, verdade para mim, verdade pela qual eu quero viver e morrer.
Neste sentido é que se diz que a verdade é vivida antes de ser objeto do juízo lógico. Esta verdade é expressão do modo de existir autêntico que só a vida cristã, diz Kierkegaard, é capaz de compreender, com tudo o que ela implica de angústia e dilaceração.

O existir autêntico supõe compromisso e risco. Na minha vida concreta eu busco uma verdade vivida, e esta vai expressar-se em meu comportamento cotidiano. Por isto a verdade é fruto da ação e não de um pensamento teórico, segundo Kierkegaard. A angústia existencial não leva o homem à solidão, ao individualismo, à incomunicabilidade ou à doutrina da salvação e da redenção.
Este existir autêntico me faz buscar o singular, mas não acontece sem sofrimento. Ninguém é ele mesmo sem antes querer sê-lo em sua liberdade. Daí a angústia porque ninguém pode fugir a este sentimento que acompanha toda escolha.

A Condição Humana
A porta de acesso à condição humana é a experiência da angústia, nisto concordam todos os existencialistas.
O que é? Sob o ponto de vista subjetivo, a angústia é uma experiência extremamente intensa com uma nota emocional absolutamente peculiar. Nela misturam-se admiração, espanto, terror, exaltação, náusea e sublimidade. O caso de Abraão, por exemplo, demonstra espanto e sublimidade.
O objetivo da experiência da angústia é que diverge.
a) realidade da existência = angústia de ser = angústia do nada
b) particularidade ou individualidade humana = angústia do aqui e agora
c) liberdade humana = angústia da liberdade

Em síntese, angústia é desespero. E o homem só sai do desespero quando orientando-se para si próprio, querendo ser ele próprio, o eu mergulha, através de sua própria transparência, até o poder que o criou", (Desespero Humano). Deus não pode estar numa realidade transcendente, mas em mim. Somos mais íntimos de Deus do que de nós mesmos.

Filósofa Rita Josélia da Capela Pinheiro
Doutora e Mestre em filosofia e Professora
da UERJ e da Universidade Gama Filho
Fonte: www.existencialismo.ong.br

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