O
conservador suspeita de todos os esquemas utópicos. Ele não acredita
que, pelo poder do direito positivo, nós podemos resolver todos os
problemas da humanidade. Podemos ter a esperança de fazer nosso mundo
tolerável, mas não podemos torná-lo perfeito.
Uma amiga minha, a quem chamaremos senhorita Worth, teve uma conversa com uma vizinha – senhora Williams, digamos – que, no dia anterior, havia vendido um belo prédio antigo, há muito tempo pertencente à sua família, o qual seria demolido para que muitos automóveis usados fossem postos a venda no lugar. A senhora Williams tinha certos arrependimentos; mas, disse ela em caráter definitivo, “você não pode parar o progresso”. Ela ficou surpresa com a resposta da senhorita Worth, que foi esta: “Não, muitas vezes não; mas você pode tentar”.
A
Senhorita Worth não acreditava que o Progresso, com P maiúsculo, é uma
coisa boa em si mesma. O Progresso pode ser bom ou mau, dependendo da
direção a qual se está progredindo. É perfeitamente possível, e não
raramente ocorre, de se progredir em direção à beira de um precipício. O
pensamento conservador, jovem ou antigo, acredita que todos nós devemos
obedecer à lei universal da mudança; mas muitas vezes está em nosso
poder escolher quais mudanças aceitaremos e quais mudanças rejeitaremos.
O conservador é uma pessoa que se esforça para conservar o que há de
melhor em nossas tradições e em nossas instituições, conciliando o que é
melhor com a reforma necessária de tempos em tempos.
“Conservar” significa “salvar”... (Considere) a maldição do cupido:
“Aqueles que mudam o amor antigo pelo novo, oram aos deuses para mudá-lo para pior.”
Um
conservador não é, por definição, um egoísta ou uma pessoa estúpida; em
vez disso, ele é uma pessoa que acredita que há alguma coisa em nossa
vida que vale a pena salvar.
Conservadorismo,
na verdade, é uma palavra com um significado antigo e honrado – mas, um
significado quase esquecido pelos americanos até anos recentes. Abraham
Lincoln queria ser conhecido como um conservador. “O que é o
conservadorismo?”, disse ele. “Não é a preferência pelo antigo e
experimentado, acima do novo e do não testado?” É isso; e é também um
corpo de convicções éticas e sociais. Porém, a palavra “liberalismo” tem
sido preferida entre nós por duas ou três décadas. Mesmo hoje em dia,
embora haja um bom número de conservadores nas políticas nacional e
estadual, em nenhum grande partido muitos líderes políticos descrevem a
si mesmos como “conservadores”. Paradoxalmente, o povo dos Estados
Unidos se tornou a principal nação conservadora do mundo exatamente
quando deixou de chamar a si mesmo de conservador em seu próprio país.
No
entanto, com a nossa severa oposição ao radicalismo dos soviéticos e
nosso repúdio nacional do coletivismo em todas as suas variedades, um
bom número de americanos agora têm muitas dúvidas quanto ao desejo de
serem chamados liberais ou radicais. Os liberais, por um bom tempo,
foram derivando para a esquerda em direção a seus primos radicais; e o
liberalismo, nos últimos anos, passou a significar um anexo para o
Estado centralizado e para a impessoalidade sombria do Brave New World,
de Huxley, ou de 1984, de Orwell. Homens e mulheres que não se
consideram liberais ou radicais estão começando a perguntar a si mesmos
no que acreditam e do que deveriam se chamar. O sistema de ideias
opostas ao liberalismo e ao radicalismo é a filosofia política
conservadora.
O que é o Conservadorismo?
O
conservadorismo moderno tomou forma por volta do início da Revolução
Francesa, quando homens de grande visão na Inglaterra e na América
perceberam que, se a humanidade existe para conservação dos elementos da
civilização que tornam a vida digna de ser vivida, algum corpo coerente
de ideias deve resistir ao nivelamento e ao impulso destrutivo de
revolucionários fanáticos. Na Inglaterra, o fundador do verdadeiro
conservadorismo foi Edmund Burke, cujas Reflections on the Revolution in France
mudaram o rumo da opinião pública britânica e influenciaram
incalculáveis líderes da sociedade no Continente e na América. Nos
recém-criados Estados Unidos, os fundadores da República, conservadores
por formação e por experiência prática, estavam determinados a moldar a
Constituição que deveria guiar a sua posteridade em caminhos duradouros
de justiça e liberdade. Nossa Guerra de Independência Americana não foi
uma revolução real, mas antes uma separação da Inglaterra; estadistas de
Massachusetts e da Virgínia não desejavam virar a sociedade de cabeça
para baixo. Em seus escritos, sobretudo nos trabalhos de John Adams,
Alexander Hamilton e James Madison, nós encontramos um conservadorismo
sóbrio e provado, fundado sobre uma compreensão da história e da
natureza humana. A Constituição que os líderes daquela geração
elaboraram tem provado ser o dispositivo conservador mais bem sucedido
em toda a história.
Os
líderes conservadores, desde Burke e Adams, subscreveram certas ideias
que podemos demonstrar, resumidamente, mediante definição. Os
conservadores desconfiam do que Burke chamou “abstrações” - isto é,
absolutos dogmas políticos divorciados da experiência prática e das
circunstâncias particulares. Eles acreditam, todavia, na existência de
certas verdades permanentes que regem a conduta da sociedade humana.
Talvez, os princípios mais importantes que têm caracterizado o
pensamento conservador americano são estes:
1.
Homens e nações são governados por leis morais; e essas leis têm a sua
origem em uma sabedoria superior à humana – a justiça divina. No
fundo, problemas políticos são problemas morais e religiosos. O
estadista sábio procura apreender a lei moral e reger sua conduta
adequadamente. Nós temos uma dívida moral para com nossos antepassados,
que nos concederam nossa civilização, e um dever moral para as gerações
que virão depois de nós. Esta dívida foi ordenada por Deus. Portanto,
não temos o direito de, impudentemente, mexer com a natureza humana ou
com tecido delicado de nossa ordem social civil.
2. Variedade e diversidade são as características de uma grande civilização. Uniformidade
e igualdade absoluta são a morte de todo verdadeiro vigor e liberdade
na existência. Conservadores resistem, com imparcial virilidade, à
uniformidade de um tirano ou de uma oligarquia e à uniformidade a qual
Tocqueville chamou “despotismo democrático”.
3.
Justiça significa que todo homem e toda mulher têm direito ao que lhes é
próprio – às coisas que melhor se adaptam à sua própria natureza, às
recompensas de sua capacidade e integridade, à sua propriedade e à sua
personalidade. A
sociedade civilizada requer que todos os homens e mulheres tenham
direitos iguais diante da lei, mas essa igualdade não deve se estender à
igualdade de condição: isto é, a sociedade é uma grande associação, na
qual todos têm direitos iguais – mas não para igualar coisas. A
sociedade justa requer liderança sólida, recompensas diferentes para
habilidades diferentes e um senso de respeito e dever.
4. Propriedade e liberdade são inseparavelmente conectadas; nivelamento econômico não é progresso econômico. Os
conservadores valorizam a propriedade para seu próprio interesse, é
claro; mas a valorizam muito mais porque, sem ela, todos os homens e
mulheres estão a mercê de um governo onipotente.
5.
O poder é repleto de perigos; portanto, o bom estado é aquele no qual o
poder é controlado e equilibrado, restringido por constituições e
costumes sólidos. Na
medida do possível, o poder político deve ser mantido nas mãos de
instituições privadas e locais. A centralização é normalmente um sinal
de decadência social.
6. O passado é um grande depósito de sabedoria; como
Burke disse, “o indivíduo é tolo, mas a espécie é sábia.” Os
conservadores acreditam que precisamos nos guiar pelas tradições morais,
pela experiência social e por todo o complexo corpo de conhecimentos
legados a nós por nossos antepassados. Os apelos conservadores estão
para além da opinião precipitada do momento, pela qual Chesterton os
denominava de “a democracia dos mortos” - isto é, as opiniões
consideradas dos homens e mulheres sábios que morreram antes de nosso
tempo, a experiência da espécie humana. O conservador, em suma, sabe que
não nasceu ontem.
7.
A sociedade moderna necessita urgentemente de uma verdadeira
comunidade: e verdadeira comunidade é um mundo distante do coletivismo. A
comunidade autêntica é regida por amor e caridade, não por força.
Através de igrejas, associações voluntárias, governos locais e uma
variedade de instituições, os conservadores se esforçam para manter a
comunidade saudável. Os conservadores não são egoístas, mas zelosos do
bem-estar público. Eles sabem que o coletivismo significa o fim da
comunidade genuína, e substituem uniformidade por variedade e força por
cooperação voluntária.
8.
Nos assuntos das nações, o conservador americano acredita que seu país
deve ser um exemplo para o mundo, mas que não deve tentar reconstruir o
mundo à sua imagem. É
uma lei da política, bem como da biologia, que todo ser vivente ama,
acima de tudo – até mesmo acima de sua própria vida –, sua identidade
distintiva, que o diferencia de todos os outros seres. O conservador não
aspira à dominação do mundo, nem aprecia a perspectiva de um mundo
reduzido a um padrão único de governo e de civilização.
9. Os conservadores sabem que homens e mulheres não são perfectíveis; e nem o são as instituições políticas. Nós
não podemos criar um paraíso na Terra, embora possamos fazer um
inferno. Somos todos criaturas nas quais bem e mal estão misturados; e,
quando as boas instituições negligenciam e ignoram os antigos princípios
morais, o mal tende a predominar em nós. Por isso, o conservador
suspeita de todos os esquemas utópicos. Ele não acredita que, pelo poder
do direito positivo, nós podemos resolver todos os problemas da
humanidade. Podemos ter a esperança de fazer nosso mundo tolerável, mas
não podemos torná-lo perfeito. Quando o progresso é alcançado, o é
através do reconhecimento prudente das limitações da natureza humana.
10.
Os conservadores estão convencidos de que mudança e reforma não são
idênticas: inovação política e moral pode ser tanto destrutiva como
benéfica; e
se a inovação é empreendida com espírito de presunção e entusiasmo,
provavelmente será desastrosa. Todas as instituições humanas, em certa
medida, se alteram de época para época, pois o lento processo de mudança
é o meio de conservar a sociedade, exatamente como é, para o corpo
humano, o meio de sua renovação. Mas, os conservadores americanos se
esforçam para conciliar o crescimento e as modificações essenciais para
nossa vida com a força de nossas tradições sociais e morais. Com Lord
Falkland, eles dizem: “quando não é necessário mudar, é necessário não
mudar.” Eles entendem que homens e mulheres são mais satisfeitos quando
podem sentir que vivem em um mundo estável de valores duradouros.
O
conservadorismo, então, não é simplesmente o interesse das pessoas que
têm muitas propriedades e influência; não é simplesmente a defesa de
privilégios e de status. A maioria dos conservadores não são nem
ricos nem poderosos. Porém, eles fazem até mesmo o mais simples deles
obter grandes benefícios de nossa República estabelecida. Eles têm
liberdade, segurança pessoal e de sua casa, igual proteção das leis, o
direito aos frutos de sua indústria e oportunidade para fazer o melhor
que neles há. Eles têm um direito de personalidade em vida e um direito
de consolo na morte. Os princípios conservadores são o abrigo das
esperanças de todos na sociedade. E o conservadorismo é um importante
conceito social para todo aquele que deseja justiça igualitária e
liberdade pessoal e todos os amáveis caminhos antigos da humanidade. O
conservadorismo não é simplesmente uma defesa do “capitalismo”.
(“Capitalismo”,
na verdade, é uma palavra cunhada por Karl Marx, projetada desde o
início para significar que a única coisa defendida pelos conservadores é
a grande acumulação de capital privado.) Mas, o que o verdadeiro
conservador faz corajosamente é defender a propriedade privada e uma
liberdade econômica, ambas para seu próprio bem e porque elas são meios
para atingir grandes fins.
Esses
grandes fins são mais do que econômicos e políticos. Eles envolvem
dignidade humana, personalidade humana, felicidade humana. Eles envolvem
até mesmo o relacionamento entre Deus e o homem. Pois o coletivismo
radical de nossa época é ferozmente hostil a qualquer outra autoridade: o
radicalismo moderno detesta a fé religiosa, a virtude privada, a
individualidade tradicional e a vida de satisfações simples. Tudo o que
vale a pena ser conservado está ameaçado em nossa geração. A mera
oposição negativa e irracional à corrente de acontecimentos,
agarrando-se com desespero ao que ainda mantemos, não será suficiente
nesta época. Um conservadorismo de instinto deve ser reforçado por um
conservadorismo de pensamento e imaginação.
Fonte: www.iserfundamentos.blogspot.com.br
Original adaptado de The Intelligent Woman’s Guide to Conservatism (New York: The Devin-Adair Company, 1957).
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