Filosofia Circular

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Rastafarianismo




Rastafarianismo ou Movimento Rasta é o nome com que se apresenta uma nova religião nascida na Jamaica na década de 30 do século XX.
Seus seguidores adoram Haile Selassie, imperador da Etiópia, de 1930 a 1974, e o consideram a manifestação ressurrecta de Yahshua (Jesus), sendo portanto, a reencarnação de Jah (Jehovah ou Deus). Como tal manifestação, Selassie irá conduzir os eleitos à criação de um mundo perfeito, “Zion”, o paraíso dos rastas. Buscando atingir o paraíso, os adeptos rejeitam a sociedade capitalista moderna, a qual chamam de “Babilônia”, que é vista como impura e corrupta, um reino em rebelião aos ditames de Jah, o criador.
Os rastas acreditam serem os verdadeiros filhos de Israel e seu objetivo primordial é o retorno à África. Não identificam o céu como o lugar do paraíso, acreditando em vez disso, que o paraíso fica na terra, invariavelmente na Etiópia. A filosofia rasta prega que os escolhidos por Jah são imortais, por isso, levam uma vida de eterna existência. A filosofia afrocentrista, a Bíblia, as ligações da Etiópia com Israel são também importantes fatores na composição da filosofia dos rastafari.
O uso da maconha dentro do movimento tem um cunho espiritual, e ocorre geralmente em conjunto com o estudo da Bíblia. É considerado um sacramento dentro de sua religião, limpando o corpo, mente e é curador da alma, aproximando o crente de Jah.
O nome da religião é uma junção de um título nobre etíope com o nome próprio do Imperador: Ras, na Etiópia, é um título de nobreza, dada a todo o nobre em âmbito regional (algo como “príncipe”); Haile Selassie, antes de ser o Imperador (Negusa Negast = rei dos reis, vindo de Negus = rei) utilizava o título “Ras”, sendo o seu nome de batismo Tafari Mekonnen; antes de ser coroado, o mesmo era chamado de Ras Tafari (príncipe Tafari). Na Jamaica, o nome acabou se tornando popular para a nova denominação religiosa, utilizado para se referir aos “seguidores do Ras Tafari” perdendo-se o seu significado original.
Um maior conhecimento da religião surgiu a partir do sucesso do cantor Bob Marley, ele mesmo um seguidor do movimento, e cujas canções continham mensagens na sua maioria religiosas e de divulgação da filosofia rasta. Hoje em dia acredita-se que cerca de um milhão de pessoas no mundo inteiro siga a denominação religiosa, sendo que na Jamaica existam em torno de 100 mil rastas.
A origem do movimento ocorre justamente durante a coroação de Haile Selassie, em 1930. Acostumados a uma realidade onde os negros eram sempre os serventes e os brancos os comandantes (toda a África, com exceção de Libéria e Etiópia estavam sob domínio europeu) os jamaicanos se espantaram ao tomar conhecimento da existência de um soberano africano. Importante notar que antes as comunicações, especialmente de eventos distantes não eram amplamente divulgados entre a população, sendo que o conhecimento da monarquia etíope só se deu de forma geral na Jamaica e em boa parte das Américas no início dos anos 30. Haile Selassie passa a ser encarado como Deus e Rei por muitos pobres jamaicanos, que, ao estudarem a Bíblia, enxergam várias profecias concretizadas no livro do Apocalipse relacionadas com a coroação. Leonard Howell é creditado geralmente como “o primeiro rasta”, pregando uma visão da Bíblia que conciliava a coroação de Haile Selassie, a opressão sofrida pelos negros, o retorno à África, entre outros temas ainda em voga na religião rasta.
Bibliografia:
REDINGTON, Norman Hugh. A Sketch of Rastafari History (em inglês). Disponível em <http://www.rastafarispeaks.com/articles/history.html>

As leis fundamentais da estupidez humana





Introdução

As atividades humanas encontram-se, por unânime consenso, em um estado deplorável. Esta, no entanto, não é uma novidade. Olhando para trás até onde podemos, elas sempre estiveram em um estado deplorável. O pesado fardo de desgraças e misérias que os seres humanos devem suportar, seja como indivíduos, seja como membros da sociedade organizada, é substancialmente o resultado do modo extremamente improvável – e ouso dizer estúpido – pelo qual a vida foi organizada desde os seus inícios.

Desde Darwin, sabemos que compartilhamos a nossa origem com as outras espécies do reino animal, e todas as espécies, sabe-se, da lombriga ao elefante, devem suportar a sua dose cotidiana de atribulações, temores, frustrações, penas e adversidades. Os seres humanos, todavia, têm o privilégio de terem de se sujeitar a um peso adicional, a uma dose extra de atribulações cotidianas, causadas por um grupo de pessoas que pertencem ao mesmo gênero humano. Este grupo é muito mais poderoso que a Máfia ou que o Complexo industrial-militar ou que a Internacional Comunista. É um grupo não organizado, que não faz parte de nenhuma hierarquia, que não tem chefe, nem presidente, nem estatuto, mas que consegue ainda assim operar em perfeita sintonia como se fosse guiado por uma mão invisível, de tal modo que as atividades de qualquer membro contribuem potencialmente para reforçar e amplificar as atividades de todos os demais. A natureza, o caráter e o comportamento dos membros deste grupo são o argumento das páginas que seguem.

É necessário salientar neste ponto que este ensaio não é fruto de cinismo nem um exercício de derrotismo social – não mais do que o é um livro de microbiologia. As seguintes páginas são, de fato, o resultado de um esforço construtivo para investigar, conhecer e portanto, possivelmente, neutralizar uma das mais poderosas e obscuras forças que impedem o crescimento do bem-estar e da felicidade humana.

Primeiro Capítulo – A Primeira Lei Fundamental

Primeira Lei Fundamental da estupidez humana afirma sem ambiguidade que
Sempre e inevitavelmente cada um de nós subestima o número de indivíduos estúpidos em circulação¹.
À primeira vista esta afirmação pode parecer trivial, ou óbvia, ou até mesquinha, ou mesmo todas as três coisas juntas. No entanto, um exame mais atento revela plenamente a sua realista veracidade. Considere-se o que segue. Por mais alta que seja a estimativa quantitativa que alguém faça da estupidez humana, resta-se repetidamente e recorrentemente espantado pelo fato de que:
(a) pessoas que julgávamos no passado como racionais e inteligentes revelam-se depois, subitamente, inequívoca e irremediavelmente, estúpidas;
(b) dia após dia, com uma incessante monotonia, vêmo-nos dificultados e obstruídos em nossas próprias atividades por indivíduos teimosamente estúpidos, que aparecem repentina e inesperadamente nos lugares e nos momentos menos oportunos.
Primeira Lei Fundamental nos impede de atribuir um valore numérico à fração de pessoas estúpidas em relação ao total da população: qualquer estimativa numérica resultaria em uma subestimação. Por isto, nas páginas seguintes denotar-se-á a quota de pessoas estúpidas no conjunto de uma população com o símbolo s.

¹ Os autores do Velho Testamento estavam cientes da existência da Primeira Lei Fundamental e a parafrasearam ao afirmar que “stultorum infinitum numerus”, mas cometeram um exagero poético. O número de pessoas estúpidas não pode ser infinito porque o número de pessoas vivas é finito. (N. do A.)

Segundo Capítulo – A Segunda Lei Fundamental

As tendências culturais predominantes hoje nos países ocidentais favorecem uma visão igualitária da Humanidade. Ama-se pensar no Homem como o produto de massa de uma linha de montagem perfeitamente organizada. A genética e a sociologia, sobretudo, esforçam-se para provar, com uma muralha impressionante de dados científicos e formulações, que todos os homens são por natureza iguais e que, se alguns são mais iguais que os outros, isto é atribuível à educação e ao ambiente social, e não à Mãe Natureza.

Trata-se de uma opinião generalizada de que pessoalmente não compartilho. É a minha firme convicção, sustentada por anos de observações e experimentos, que os homens não são iguais, que alguns são estúpidos e outros não, e que a diferença é determinada não por forças ou fatores culturais, mas por características biogenéticas da inescrutável Mãe Natureza. Alguém é estúpido da mesma forma que um outro é ruivo; alguém pertence ao grupo dos estúpidos como um outro pertence a um grupo sanguíneo. Em resumo, alguém nasce estúpido por vontade indecifrável e indiscutível da Divina Providência.

Mesmo convencido que uma fração s de seres humanos seja estúpida e que o seja por vontade da Providência, não sou um reacionário que tenta reintroduzir furtivamente discriminações de classe ou de raça. Creio fixamente que a estupidez seja uma prerrogativa indiscriminada de todo e qualquer grupo humano, e que tal prerrogativa esteja uniformemente distribuída segundo uma proporção constante. Este fato é cientificamente expresso pela Segunda Lei Fundamental, que diz que:
A probabilidade de uma certa pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica desta mesma pessoa.
A este propósito, a Natureza parece realmente ter superado a si mesma. É fato conhecido que a Natureza, ainda que misteriosamente, age de forma a manter constante a frequência relativa de certos fenômenos naturais. Por exemplo, quer os homens proliferem no Pólo Norte ou no Equador, quer os casais que se unem sejam bem-nutridos ou subdesenvolvidos, quer sejam negros, vermelhos, brancos ou amarelos, a relação macho-fêmea entre os recém-nascidos é constante, com uma ligeira prevalência de machos. Não sabemos como a natureza faz para obter este extraordinário resultado, mas sabemos que para obtê-lo ela deve operar com grandes números. O fato extraordinário acerca da frequência da estupidez é que a Natureza consiga fazer com que tal frequência seja sempre e em qualquer parte constante e portanto igual à probabilidade s, independentemente das dimensões do grupo, tanto que se encontra o mesmo percentual de pessoas estúpidas seja tomando-se grupos muito amplos ou grupos muito reduzidos. Nenhum outro tipo de fenômeno sujeito a observações oferece uma prova tão singular do poder da Natureza.

A prova de que a educação e o ambiente social não tem nada a ver com a probabilidade sfoi fornecida por uma série de experimentos conduzidos em muitas universidades do mundo. Podemos subdividir a população de uma universidade em quatro grandes categorias: os zeladores, os funcionários, os estudantes e o corpo docente.

Todas as vezes em que se analisaram os zeladores, descobriu-se que uma fração sdeles era de estúpidos. Dado que o valor de s era mais alto do que se esperava (Primeira Lei), pensou-se inicialmente, pagando tributo à moda corrente, que o fato fosse devido à pobreza das famílias das quais os zeladores geralmente provêm, e à sua escassa instrução. Mas analisando os grupos mais elevados, notou-se que a mesma porcentagem prevalecia também entre os funcionários e os estudantes. Ainda mais impressionantes foram os resultados obtidos entre o corpo docente. Seja considerando uma universidade grande ou uma pequena, um instituto famoso ou um obscuro, descobriu-se que a mesma fração s de professores era composta de estúpidos. Foi tal a surpresa com os resultados obtidos que resolveu-se estender a pesquisa a um grupo particularmente selecionado, a uma verdadeira e própria “élite”, isto é, aos ganhadores do Prêmio Nobel. O resultado confirmou os poderes superiores da Natureza: uma fração s dos Prêmios Nobel é constituída de estúpidos.

Este resultado é difícil de aceitar e digerir, mas várias evidências experimentais nos provaram a sua fundamental validade. A Segunda Lei Fundamental é uma lei de ferro e não admite exceção. O Movimento de Liberação da Mulher confirma a Segunda Lei, já que esta lei demonstra que os indivíduos estúpidos são proporcionalmente tão numerosos entre os homens quanto entre as mulheres. As populações dos países do Terceiro Mundo consolar-se-ão com a Segunda Lei, já que ela demonstra que, no final das contas, as populações ditas “desenvolvidas” não são assim tão desenvolvidas. Quer a Segunda Lei Fundamental agrade ou não, mesmo assim as suas implicações são diabolicamente inelutáveis: ela diz de fato que, quer frequentando círculos elegantes, quer refugiando-se entre os cortadores de cabeça da Polinésia, quer enclausurando-se em um mosteiro ou quer decidindo transcorrer o resto da vida na companhia de mulheres belas e luxuriosas, o fato permanece de que deveremos sempre enfrentar a mesma quantidade de gente estúpida – percentual que (de acordo com a Primeira Lei) superará sempre as mais negras previsões. 

 Terceiro Capítulo – Um intervalo técnico

Neste ponto é necessário esclarecer o conceito de estupidez humana e definir a dramatis persona.

Os indivíduos são caracterizados por diferentes graus de propensão a sociabilizar. Há indivíduos para os quais qualquer contato com outros indivíduos é uma dolorosa necessidade. Eles devem literalmente suportas as pessoas e as pessoas devem suportá-los No outro extremo do espectro estão os indivíduos que não podem absolutamente viver sozinhos e estão até mesmo dispostos a gastar seu tempo na companhia de pessoas que desdenham, para não ficarem sozinhos. Entre esses dois extremos, existe uma grande variedade de condições, se bem que a grande maioria das pessoas esteja mais próxima do tipo que não pode suportar a solidão e não do tipo que não tem propensão a contatos humanos. Aristóteles reconheceu este fato quando escreveu que “o homem é um animal social”, e a validade da sua afirmação é demonstrada pelo fato de que nós nos movimentamos em grupos sociais, que há mais pessoas casadas do que solteiras, que tanta riqueza e tempo sejam desperdiçados em exasperantes e maçantes cocktail parties e que à palavra solidão venha normalmente associada uma conotação negativa.

Quer pertença-se ao tipo eremita ou ao tipo mundano, deve-se de qualquer modo lidar com gente, ainda que com diversa intensidade. De vez em quando, até os eremitas encontram pessoas. Além do que, põe-se sempre em relação com os seres humanos também evitando-os. Aquilo que eu poderia ter feito por um indivíduo ou por um grupo, e que não fiz, representa um “custo-oportunidade” (isto é, um ganho perdido, ou uma perda) para aquela particular pessoa ou grupo. A moral da história é que cada um de nós tem uma conta corrente com cada um dos demais. De qualquer ação, ou não ação, cada um de nós leva um ganho ou uma perda, e ao mesmo tempo determina um ganho ou uma perda a algum outro.Os ganhos e perdas podem ser oportunamente ilustrados em um gráfico, e a figura 1 mostra o gráfico base utilizável para este escopo.

Figura 1
O gráfico refere-se a um indivíduo que chamaremos de Tício. O eixo X mede o ganho obtido por Tício em sua ação. O eixo Y mede o ganho que outra pessoa, ou grupo de pessoas, experimenta em virtude da ação de Tício. O ganho pode ser positivo, nulo ou negativo; um ganho negativo equivale a uma perda. O eixo X mede os ganhos positivos de Tício à direita do ponto O, enquanto as perdas de Tício são indicadas à esquerda do ponto O. O eixo Y, respectivamente sobre e sob o ponto O, mede os ganhos e perdas da pessoa, ou grupo de pessoas, com que Tício tem relação.

Para tornar as coisas claras, tomemos um exemplo hipotético, referindo-nos à figura 1. Tício realiza uma ação que atinge Caio. Se Tício com a sua ação consegue um ganho e Caio, pela mesma ação, sofre uma perda, a ação será registrada no gráfico por um símbolo que aparecerá em qualquer ponto da área B.

Os ganhos e perdas podem ser registrados em dólares ou francos ou liras, caso se queira, mas devem-se incluir também as recompensas e as satisfações psicológicas e emotivas, e os estresses psicológicos e emotivos. Estes são bens (ou males) imateriais, e portanto bastante difíceis de mensurar com parâmetros objetivos. A análise do tipo custo-benefício pode ajudar a resolver o problema, ainda que não completamente, mas não quero aborrecer o leitor com detalhes técnicos: uma margem de imprecisão pode prejudicar as medidas, mas não a essência do argumento. Um ponto contudo deve ficar claro. Ao considerar a ação de Tício e ao avaliar os benefícios ou perdas que Tício leva, deve-se levar em conta o sistema de valores de Tício; mas para determinar o ganho ou a perda de Caio, é absolutamente indispensável referir-se ao sistema de valores de Caio e não àquele de Tício. Frequentemente ignora-se esta norma de fair play, e muitos problemas derivam exatamente do fato de que não respeita-se este princípio de civil comportamento. Vamos recorrer mais uma vez a um exemplo banal. Tício dá uma pancada na cabeça de Caio e obtém satisfação. Tício pode talvez alegar que Caio ficou feliz por ter recebido uma pancada na cabeça. Mas é altamente provável que Caio não compartilhe a mesma opinião. Ao invés, Caio poderia considerar a pancada na sua cabeça um desagradabilíssimo acidente. Se a pancada na cabeça de Caio foi um ganho ou uma perda para Caio, cabe a Caio dizê-lo, e não a Tício. 

Quarto Capítulo – A Terceira (e áurea) Lei Fundamental

Terceira Lei Fundamental pressupõe, ainda que não o enuncie completamente, que os seres humanos pertencem a uma de quatro categorias fundamentais: os ingênuos, os inteligentes, os bandidos e os estúpidos. O leitor arguto compreenderá facilmente que estas quatro categorias correspondem às quatro áreas H, I, B, S do gráfico base (ver fig. 1 [na postagem anterior]).

Se Tício realiza uma ação e sofre uma perda, enquanto ao mesmo tempo oferece uma vantagem a Caio, o símbolo de Tício cairá no campo H: Tício agiu como ingênuo. Se Tício realiza uma ação com a qual obtém uma vantagem, e ao mesmo tempo oferece uma vantagem também a Caio, o símbolo de Tício cairá na área I: Tício agiu inteligentemente. Se Tício realiza uma ação com a qual ganha uma vantagem, causando uma perda a Caio, o ponto de Tício cairá na área B: Tício agiu como bandido. A estupidez corresponde à área S e a todas as posições no eixo Y abaixo do ponto O. A Terceira Lei Fundamentalesclarece que:
Uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa um dano a uma outra pessoa ou grupo de pessoas, sem, ao mesmo tempo, obter qualquer vantagem para si ou até mesmo sofrendo uma perda.
Diante da Terceira Lei Fundamental, as pessoas sensatas reagem instintivamente com ceticismo e incredulidade. O fato é que as pessoas sensatas têm dificuldades em conceber e a compreender um comportamento irracional. Mas deixemos de lado a teoria e observemos ao invés disso o que nos acontece na prática, na vida de todos os dias. Todos nos recordamos de casos nos quais tivemos desafortunadamente de lidar com um indivíduo que buscava para si um ganho, causando-nos uma perda: deparamo-nos com um bandido. Podemos nos recordar ainda de casos nos quais um indivíduo realizou uma ação cujo resultado foi-lhe uma perda e para nós um ganho: lidamos com um ingênuo¹.

Podemos nos recordar também de casos nos quais um indivíduo realizou uma ação com a qual ambas as partes levaram vantagem: tratava-se de uma pessoa inteligente. Tais casos ocorrem continuamente. Mas refletindo bem, é preciso admitir que estes casos não representam a totalidade de eventos que caracterizam a nossa vida de todos os dias. A nossa vida é também pontuada por eventos em que sofremos perdas de dinheiro, tempo, energia, apetite, tranquilidade e bom-humor, por culpa das improváveis ações de alguma absurda criatura que aparece nos momentos mais impensáveis e inconvenientes para provocar-nos danos, frustrações e dificuldades, sem ter absolutamente nada a ganhar com aquilo que realiza. Ninguém sabe, compreende ou pode explicar por que essa absurda criatura faz o que faz. De fato, não há explicação – ou melhor – a explicação é uma só: a pessoa em questão é estúpida.

¹ Note-se a definição precisa “um indivíduo realizou uma ação”. O fato de ter sido ele  a iniciar a ação é decisivo para estabelecer que ele é um ingênuo. Se tivesse sido eu  a empreender a ação que determinou o meu ganho e a sua perda, a conclusão seria diferente: neste caso, eu teria sido um bandido. (N. do A.)

Quinto capítulo – Distribuição de frequências

A maior parte das pessoas não age coerentemente. Em algumas circunstâncias uma pessoa age inteligentemente e em outras aquela mesma pessoa comporta-se como ingênua. A única importante exceção à regra é representada pelas pessoas estúpidas, que normalmente mostram uma máxima propensão a uma plena coerência em todos os campos de atividade.

Deste fato não segue que pode-se assinalar no gráfico apenas as posições dos indivíduos estúpidos. Podemos calcular para toda pessoa a sua posição no plano da figura 1 [na parte 3] com base na média ponderada. Uma pessoa inteligente pode às vezes comportar-se como ingênua, como pode às vezes assumir um comportamento banditesco. Mas, como a pessoa em questão é fundamentalmente inteligente, a maior parte das suas ações terá a característica da inteligência e a sua média ponderada colocar-se-á no quadrante I do gráfico n° 1.

O fato de ser possível colocar no gráfico os indivíduos, em vez das suas ações, permite digressões sobre a frequência dos bandidos e dos estúpidos.

O perfeito bandido é aquele que, com as suas ações, causa a outros perdas equivalentes aos seus ganhos. O mais primitivo tipo de banditismo é o roubo. Uma pessoa que rouba 10.000 liras sem causar-nos danos adicionais é um bandido perfeito: perdemos 10.000 liras, ele ganha 10.000. No gráfico, os bandidos perfeitos aparecerão sobre a linha diagonal de 45 graus que divide a área B em duas subáreas perfeitamente simétricas (linha OM da figura 2).

Figura 2
Todavia, os bandidos perfeitos são relativamente poucos. A linha OM divide a área B nas duas subáreas Bi e Bs, e a grande maioria dos bandidos coloca-se em algum ponto destas duas subáreas.

Os bandidos que ocupam a área Bi são aqueles que procuram para si mesmos ganhos maiores que as perdas que causam aos outros. Todos os bandidos que ocupam uma posição na área Bi são desonestos com um elevado grau de inteligência, e quanto mais a sua posição se aproxima da parte direita do eixo X, mais características tais bandidos compartilham com a pessoa inteligente. Infelizmente, os indivíduos que ocupam a área Bi não são muito numerosos. A maior parte dos bandidos coloca-se efetivamente na área Bs. Os bandidos que introduzem-se nesta área são indivíduos cujas ações trazem-lhes vantagens inferiores às perdas causadas aos outros. Se alguém te faz cair e quebrar uma perna para roubar 10.000 liras, ou causa-te danos ao carro no valor de meio milhão de liras para roubar o som, com a qual obterá no máximo 30.000 liras, se alguém te dá um tiro de revólver e te mata só para passar uma noite em companhia da tua mulher em Monte Carlo, podemos estar certos de que não trata-se de um bandido “perfeito”. Sempre utilizando os seus parâmetros para mensurar os seus ganhos (mas usando os nossos parâmetros para mensurar as nossas perdas), ele cairá na área Bs, muito próximo ao limite da estupidez pura.

A distribuição de frequências das pessoas estúpidas é totalmente diferente da dos bandidos e dos ingênuos. Enquanto estes últimos estão na maior parte espalhados pelo espaço da respectiva área, os estúpidos estão na maior parte concentrados ao longo do eixo Y abaixo do ponto O. A razão disso é que a grande maioria das pessoas estúpidas são fundamentalmente e firmemente estúpidas – em outras palavras, eles insistem com perseverança em causar danos ou perdas a outras pessoas sem obter nenhum ganho para si, seja este positivo ou negativo. Há, no entanto, pessoas que, com suas inverossímeis ações, não apenas causam danos a outras pessoas, mas também a si mesmos. Estes formam um gênero de superestúpidos que, com base no nosso sistema de cálculo, aparecerão em qualquer ponto da área S à esquerda do eixo Y.

 Sexto Capítulo– Estupidez e poder

Como todas as criaturas humanas, também os estúpidos influenciam outras pessoas com intensidades muito variadas. Alguns estúpidos causam normalmente apenas perdas limitadas, enquanto alguns conseguem causar danos impressionantes não só a um ou dois indivíduos, mas a inteiras comunidades ou sociedades. O potencial de uma pessoa estúpida criar danos depende de dois fatores principais. Antes de tudo, depende do fator genético. Alguns indivíduos herdam notáveis doses do gene da estupidez e, graças a tal hereditariedade, pertencem, desde o nascimento, à elite do seu grupo. O segundo fator que determina o potencial de uma pessoa estúpida deriva da posição de poder e de autoridade que ela ocupa na sociedade. Entre burocratas, generais, políticos, chefes de estado e homens da igreja, encontra-se a áurea proporção s de indivíduos fundamentalmente estúpidos, cuja capacidade de prejudicar o próximo foi (ou é) perigosamente acrescida pela posição de poder que ocuparam (ou ocupam).

A pergunta que frequentemente colocam-se as pessoas sensatas é de que modo e como pessoas estúpidas conseguem chegar a posições de poder e de autoridade.

Classe e casta (seja laica ou eclesiástica) foram as instituições sociais que permitiram um fluxo constante de pessoas estúpidas a posições de poder na maior parte das sociedades pré-industriais. No mundo industrial moderno, classe e casta vão perdendo cada vez mais destaque. Mas, no lugar de classe e casta, existem partidos políticos, burocracia e democracia. Em um sistema democrático, as eleições gerais são um instrumento de grande eficácia para assegurar a manutenção da fração s entre os poderosos. Recordemos que, com base na Segunda Lei, a fração s de pessoas que votam são estúpidas, e as eleições oferecem-lhes uma magnífica oportunidade para prejudicar todos os outros, sem obter nenhum ganho com suas ações. Eles atingem esse objetivo, contribuindo para a manutenção do nível s de estúpidos entre as pessoa no poder. 

 Sétimo capítulo – O poder da estupidez

Não é difícil compreender como o poder político ou econômico ou burocrático amplifica o potencial nocivo de uma pessoa estúpida. Mas devemos ainda explicar e entender o que rende essencialmente perigosa uma pessoa estúpida; em outras palavras, em que consiste o poder da estupidez.

Essencialmente, os estúpidos são perigosos e funestos porque as pessoas sensatas acham difícil imaginar e entender um comportamento estúpido. Uma pessoa inteligente pode entender a lógica de um bandido. As ações do bandido seguem um modelo de racionalidade: racionalidade perversa, caso queiram, mas sempre racionalidade. O bandido quer “algo mais” na sua conta. Dado que não é inteligente o bastante para inventar métodos para obter “algo mais” para si buscando ao mesmo tempo “algo mais” também para os outros, ele obterá o seu “algo mais” causando “algo menos” ao seu próximo. Tudo isso não é justo, mas é racional e, se é racional, pode ser previsto. Pode-se, em resumo, prever as ações de um bandido, as suas imundas manobras e as suas deploráveis aspirações e amiúde podem-se preparar as defesas oportunas.

Com uma pessoa estúpida tudo isso é absolutamente impossível. Como está implícito naTerceira Lei Fundamental, uma criatura estúpida perseguir-te-á sem razão, sem um plano preciso, nos momentos e nos locais mais improváveis e mais impensáveis. Não há nenhum método racional para prever se, quando, como e por que uma criatura estúpida levará adiante o seu ataque. Frente a um indivíduo estúpido, estamos completamente à sua mercê.

Já que as ações de uma pessoa estúpida não estão de acordo com as regras da racionalidade, segue que:
(a) geralmente somos tomados de surpresa pelo ataque;
(b) mesmo quando toma-se consciência do ataque, não se consegue organizar uma defesa racional, porque o ataque, por si mesmo, é desprovido de qualquer estrutura racional.
O fato de que a atividade e os movimentos de uma criatura estúpida são absolutamente erráticos e irracionais não apenas torna a defesa problemática, mas torna também extremamente difícil qualquer contra-ataque – é como tentar disparar em um objeto capaz dos mais improváveis e inimagináveis movimentos. Isso é o que Dickens e Schiller tinham em mente quando um afirmou que “com estupidez e boa digestão, o homem pode enfrentar qualquer coisa”, e o outro que “contra a estupidez até os deuses combatem em vão”.

É preciso levar em conta também uma outra circunstância. A pessoa inteligente sabe que é inteligente. O bandido está consciente de ser um bandido. O ingênuo está penosamente repleto do senso da própria ingenuidade. Ao contrário de todos estes personagens, o estúpido não sabe que é estúpido. Isto contribui fortemente a dar maior força, incidência e eficácia às suas ações devastadoras. O estúpido não é inibido por aquele sentimento que os anglossaxões chamam de self-consciousness. Com o sorriso nos lábios, como se estivesse realizando a coisa mais natural do mundo, o estúpido aparecerá improvisadamente para destroçar os teus planos, destruir a tua paz, complicar-te a vida e o trabalho, fazer-te perder dinheiro, tempo, bom-humor, apetite, produtividade – tudo isso sem malícia, sem remorso, e sem motivo. Estupidamente.

Oitavo capítulo – A Quarta Lei Fundamental

Não se deve ficar espantado se as pessoas ingênuas, isto é, aquelas que no nosso sistema caem na área H, em geral não consigam reconhecer a periculosidade das pessoas estúpidas. O fato só representa outra manifestação da sua ingenuidade. O que é verdadeiramente surpreendente é que mesmo as pessoas inteligentes e os bandidos frequentemente não conseguem identificar o poder devastador e destruidor da estupidez. É extremamente difícil explicar por que isso ocorre. Pode-se apenas conjecturar que frequentemente tanto os inteligentes quanto os bandidos, quando abordados por indivíduos estúpidos, cometem o erro de abandonar-se a sentimentos de auto-complacência e desprezo, ao invés de produzir imediatamente quantidades maiores de adrenalina e preparar as defesas.

É-se geralmente levado a acreditar que uma pessoa estúpida faça mal somente a si própria, mas isto significa enfrentar a estupidez com a ingenuidade. Às vezes, é-se tentado a associar-se com um indivíduo estúpido com o objetivo de usá-lo para os próprios objetivos. Tal manobra só pode ter efeitos desastrosos porque: (a) é baseada em uma completa incompreensão da natureza essencial da estupidez; e (b) dá à pessoa estúpida mais espaço para o exercício dos seus talentos. Alguém pode se iludir a manipular uma pessoa estúpida e, até certo ponto, pode-se até conseguir. Mas, por causa do errático comportamento do estúpido, não se pode prever todas as suas ações e reações, e em breve ver-se-á desarticulado e pulverizado por suas imprevisíveis ações.

Tudo isso é claramente sintetizado pela Quarta Lei Fundamental, que afirma que
As pessoas não estúpidas subestimam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas. Em particular, os não estúpidos esquecem constantemente que, em qualquer momento e lugar, e em qualquer circunstância, tratar e/ou associar-se a indivíduos estúpidos demonstra-se infalivelmente um custosíssimo erro.
Nos séculos dos séculos, na vida pública e privada, inúmeras pessoas não levaram em conta a Quarta Lei Fundamental e isso causou incalculáveis perdas à humanidade.

Nono capítulo – Macroanálise e a Quinta Lei Fundamental

As considerações finais do capítulo precedente conduzem a uma análise do tipo “macro”, na qual, ao invés do bem-estar individual, considera-se o bem-estar da sociedade, definido, neste contexto, como a soma algébrica das condições de bem-estar individual. Uma completa compreensão da Quinta Lei Fundamental é essencial para esta análise. É necessário, por outro lado, acrescentar que, das cinco leis fundamentais, a Quinta é certamente a mais conhecida e o seu corolário é citado muito frequentemente. Ela afirma que:
A pessoa estúpida é o tipo de pessoa mais perigoso que existe.
O corolário da lei é que:
O estúpido é mais perigoso que o bandido.
A formulação da lei e do corolário ainda é do tipo “micro”. Como indicado acima, todavia, a lei e o seu corolário têm implicações de natureza “macro”. O ponto essencial a ter em conta é este: o resultado da ação de um perfeito bandido (a pessoa que cai sobre a linha OM da figura 2) representa pura e simplesmente uma transferência de riqueza e/ou bem-estar. Depois da ação de um perfeito bandido, ele terá um “positivo” na sua conta, “positivo” que equivalerá exatamente ao “negativo” que ele terá causado a uma outra pessoa. Para a sociedade no seu conjunto a situação não terá melhorado nem piorado. Se todos os membros de uma sociedade fossem bandidos perfeitos, a sociedade permaneceria em condições estagnantes, mas não haveria grandes desastres. Tudo limitar-se-ia a uma massiva transferência de riqueza e bem-estar em favor daqueles que realizaram a ação. Se todos os membros da sociedade tivessem de executar a ação em turnos regulares, não apenas a sociedade inteira, mas também os indivíduos particulares, encontrariam-se em um estado de perfeita estabilidade.

Mas quando os estúpidos colocam-se em ação, a música muda completamente. As pessoas estúpidas causam perdas a outras pessoas sem receber vantagens para si mesmos. Segue que a sociedade inteira empobrece.

Figura 3
O sistema de cálculo expresso nos gráficos base mostra que, enquanto todas as ações de indivíduos que caem à direita da linha POM (ver a figura 3) incrementam o bem-estar da sociedade, ainda que em graus diversos, as ações de todas as pessoas que caem à esquerda da mesma linha POM empobrecem a sociedade.

Em outras palavras, os ingênuos dotados de elementos de inteligência mais elevados com respeito à média  da sua categoria (área Hi), assim como os bandidos com dotes de inteligência (área Bi), e sobretudo os inteligentes (área I) contribuem todos, em medidas diferentes, a aumentar o bem-estar da sociedade. Por outro lado, os bandidos com dotes de estupidez (área Bs) e os ingênuos com elementos de estupidez (área Hs) só fazem acrescentar as perdas àquelas já causadas pelas pessoas estúpidas (área S), aumentando assim o seu nefasto poder destruidor.

Tudo isso sugere algumas reflexões sobre o desempenho da sociedade. De acordo com a Segunda Lei Fundamental, a fração de gente estúpida é uma constante s, que não é influenciada por tempo, espaço, raça, classe ou qualquer outra variável histórica ou sócio-cultural. Seria um grave erro crer que o número de estúpidos seja mais elevado em uma sociedade em declínio que em uma sociedade em ascensão. Ambas sofrem o mesmo percentual de estúpidos. A diferença entre as duas sociedades consiste no fato de que, na sociedade em declínio:
(a) aos membros estúpidos da sociedade é permitido, pelos demais membros, tornarem-se mais ativos;
(b) há uma mudança na composição da população de não estúpidos, com um aumento relativo das populações das áreas Hs e Bs.
Esta hipótese teórica é abundantemente confirmada por uma exaustiva análise de casos históricos. Com efeito, a análise histórica nos permite reformular as conclusões teóricas de modo mais completo e com detalhes mais realísticos.

Seja considerando a era clássica, medieval, moderna ou contemporânea, permanecemos assombrados pelo fato de que todo país em ascensão tem a sua inevitável quota de pessoas estúpidas. Todavia, um país em ascensão tem também um percentual insolitamente alto de indivíduos inteligentes, que buscam manter a fração s sob controle, e que, ao mesmo tempo, procuram ganhos para si mesmos e para os demais membros da comunidade, suficientes para tornar o progresso uma certeza.

Em um país em declínio, o percentual de indivíduos estúpidos é sempre igual a s; todavia, na população restante nota-se, especialmente entre os indivíduos no poder, uma alarmante proliferação de bandidos com uma alta porcentagem de estupidez (subárea Bs do quadrante B na fig. 3) e, entre aqueles não ao poder, um igualmente alarmante aumento no número de ingênuos (área H no gráfico base, fig. 1). Tal mudança na composição da população de não estúpidos reforça inevitavelmente o poder destruidor da fração s de estúpidos e leva o país à ruína.

Apêndice

Nas páginas seguintes, o leitor encontrará um certo número de gráficos que poderá utilizar para registrar as ações de pessoas ou grupos com os quais tem de lidar constantemente. Isto permitirá formular avaliações precisas das pessoas ou grupos em questão e, portanto, adotar uma linha de ação racional em seus contatos.

[Em virtude do caráter digital desta tradução, julgou-se necessário fornecer apenas uma cópia do gráfico base. (N. do T.)]

quarta-feira, 10 de julho de 2013

SEM ÓCIO NÃO HÁ FILOSOFIA?

A filosofia, que tem suas raízes na Grécia Antiga, foi a ciência responsável por elaborar teorias diversas a respeito de temas tão comuns do cotidiano, como a existência, o sobrenatural, a morte, o homem.
Da Grécia antiga aos dias atuais, a filosofia continua sendo uma matéria fundamental para percorrer o conhecimento e explorar incessantemente aquilo que nos constitui. 

Trecho do filme O Mundo de Sofia
Ociosos. Os filósofos não fazem outra coisa se não discorrer sobre temas inúteis, questões que não os levam a lugar algum. Esse é posicionamento comumente observado por parte da sociedade leiga, em geral, a respeito daqueles que dedicam cota do seu tempo para o desvelamento do mundo. Pois não é filósofo quem precisa trabalhar arduamente para conseguir se alimentar, muito menos o é aquele que se engaja em dar soluções práticas para problemas iminentes.
A filosofia é uma arte necessária, imanente ao homem. Surge como uma necessidade, uma angústia que movimenta todo o processo racional, uma inquietação, uma desordem interna que nos coloca em total desespero. É frustrante.
No fundo há quem diga que os grandes filósofos da antiguidade – e há quem diga que só aqueles foram verdadeiros filósofos – não passaram de homens entediados com a vida, inventando coisas e sofrendo com seus demônios, consumindo o ócio em pensamentos dispersos.
E talvez não existam mesmo os tais filósofos, hodiernamente, já que a sociedade está tão complexa e revirada que, de qualquer modo, tempo para se pensar a fundo as coisas já não há. Mas não creio que isso se verifique, eles estão por todos os lados, elas, pois agora elas também filosofam e participam.

Falta, em verdade, a reflexão, que é própria da filosofia, acerca de temas que vem se tornando banais. A informação tem crescido de forma extraordinária, vários são os meios de divulgação, mas pouca é a capacidade racional e individual de se determinar em relação a essas informações. Não é por outro motivo que percebemos uma tendência de vulgarização da música, da arte em geral, da literatura, entre outros.
O que é uma boa música? O que é um texto literário? Questões assim merecem análises realmente profundas e filosóficas, ou então devemos aceitar que qualquer música é música e, sendo assim, digna de ser apreciada. Existe um erro tremendo nessa relativização dos conteúdos produzidos, pois perdemos gradativamente a capacidade de refletir acerca das coisas que nos envolve, daquilo que somos e daquilo que queremos ser.
O Mundo de Sofia é um romance publicado em 1991, de Jostein Gaarder, que também ganhou uma versão para o cinema. Um filme fantástico (já que não tive contato com o livro), revelador, instigante, profundo em cada detalhe. Trata-se de um guia filosófico, mas você, leitor, provavelmente já percebeu isso. A filosofia é um caminho sem volta, aproveite o passeio. 

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A História da Mulher na Filosofia






importância social das mulheres enquanto seres que pensam foi e permanece sendo um desafio para que haja um equilíbrio no relacionamento homem/mulher.
Na grade curricular escolar ou universitária pouco se nota a participação de mulheres que tenham se notabilizado como filósofas.

Na maioria das pesquisas realizadas falta uma alusão a respeito de dados sobre a vida e obras de pensadoras, o que nos leva a concluir que há uma certa depreciação em relação ao trabalho científico das mulheres na vida acadêmica e sua atuação na história da constituição da sabedoria.
Com base em tal afirmação pode-se afirmar que a mulher sempre foi bastante discriminada no meio pensante.

mitologia grega destaca as mulheres representando-as na figura de suas deusas: Ártemis, AtenaAfroditeDeméter,HeraPerséfone, Pandora e Gaia, ainda que a inteligência e o pensamento sejam simbolizados pela deusa Minerva (variante latina da deusa Atena), é importante realçar que esta veio ao mundo não através do corpo de sua mãe e sim da cabeça de seu pai, Zeus, o que evidencia desde o início que a mulher já não tinha nenhum valor.
Para a história combinar idéias, formar pensamentos, sempre foi julgado um direito pertinente aos homens, mas mesmo com tanta discriminação as mulheres conseguiram garantir uma pequena participação das mulheres na vida acadêmica.
Um dos poucos apontamentos históricos sobre o assunto foi a criação de um núcleo de formação intelectual somente para mulheres, educandário fundado por Safo, poetisa de Lesbos que nasceu em 625 a.C.
O pensamento que vigorava é o de que as mulheres somente tinham direito a um corpo e uma mente, porém não os dois ao mesmo tempo, pois desta forma a mulher nunca poderia gerar a razão.
- Na visão de Pitágoras a mulher era vista como um ser que se originou das trevas;
Platão já detinha um pensamento diverso, as mulheres eram tão capazes de administrar quanto o homem, pois para ele quem governa tinha a obrigação de gerir a cidade-Estado se utilizando da razão e para Platão as mulheres detinham a mesma razão que os homens;
Aristóteles via a mulher como um homem não completo, para ele todas as características herdadas pela criança já estavam presentes no sêmen do pai, cabendo a mulher somente a função de abrigar e fazer brotar o fruto que vinha do homem, idéia esta aceita e propagada na Idade Média;
- Para São Tomás de Aquino uma vez a mulher tendo sido moldada a partir das costelas de um homem sua alma tinha a mesma importância que a do homem, para ele no céu predomina igualdade de direitos entre os sexos, pois assim que se abandona o corpo desaparecem as diferenças de sexo passando a ser tudo uma coisa só.
- Para Hegel a altercação existente entre um homem e uma mulher é igual a que há entre um animal e uma planta, sendo que o animal se identifica mais com o jeito do homem e a planta se molda mais conforme o aspecto da mulher, pois seu progresso é mais pacato, deixando-se levar mais pelo sentimentalismo, se estiverem no comando o Estado corre perigo pois, segundo ele, elas não atuam de acordo com as exigências do agrupamento de pessoas que estão governando e sim conforme seu estado de espírito.
Todavia, embora a discriminação sofrida pelas mulheres no caminho da filosofia é notável que, ao longo da história da filosofia, certas mulheres se enfatizaram como criaturas humanas que procuraram pela sabedoria e trilharam os passos da ciência. No século XX há uma evidência especial a algumas filósofas importantes. Dentre elas, podemos citar Hannah Arendt, Simone Weil, Edith Stein, Mari Zambrano e Rosa Luxemburgo. Estas mulheres, contestando a ordem patriarcal de sua época, tornaram-se filósofas admiráveisl e, sem dúvida, colaboraram terminantemente para a constituição do conhecimento.
Diante deste quadro apresentado, pode-se afiançar que a inferioridade da mulher é tida como um tanto natural e invariável. Este espectro do “feminino” esteve presente na história da filosofia e permanece como um combate singular para as mulheres filósofas. Enquanto ser humano, a mulher é dotada de razão, mas o uso íntegro e apropriado ainda é privativo do ser masculino.
Fontes

sexta-feira, 5 de julho de 2013

A indignação



A palavra indignação tem sua origem em uma reação diante de algo indigno. Trata-se de um sentimento de revolta experimentado frente a uma indignidade, injustiça, afronta ao bem comum ou desprezo à ética social.
A indignação sempre aponta para uma reação ética contra atitudes, sejam do cotidiano sociofamiliar ou das relações políticas, em que os juízos de valor revelam a ilicitude e/ou impropriedade de algum tipo de comportamento.
A indignação ética desencadeia necessariamente um tipo de reação em que a pessoa toma consciência de algum ilícito e parte para uma demonstração, formal, pacífica ou até violenta de inconformidade.
Há dias, escutei um programa em uma rádio de Porto Alegre em que o assunto “indignação” foi enfocado, a partir da agressão sofrida por Silvio Berlusconi, quando um cidadão italiano, abalado com tanta corrupção moral, botou para fora toda a sua revolta contra aquele homem público. Revendo alguns fatos, passados e não tão passados, recordei a revolta da torcida do Coritiba; a mulher que quebrou os vidros de um hospital que deixou de atender sua filha de dois anos; a sapatada que um jornalista iraquiano deu em Bush, e outras tantas passeatas frente à casa de políticos que se veem por aí.
Essas agressões, todas elas injustificáveis, denotam a que ponto chega a exasperação das pessoas. Quando não se bota para fora a indignação, ela vai se comprimindo num processo de recalque, qual uma mola pressionada. Um dia, o disparo é inevitável. É perigoso o estouro de uma indignação.
No terreno das indignações com os descaminhos políticos, alguns ingênuos costumam citar o voto como ferramenta de faxina na sociedade. Trata-se de um ledo engano. Primeiro, porque a mudança vai levar quatro anos; depois, porque muitos conseguem se reeleger, e, por último, não é raro a gente eleger alguém que parecia sério e competente e depois se revela um desastre. A indignação nasce do sentimento de impotência que temos diante de fatos que contrariam o bom senso, a ética e a decência.
São vazias certas manifestações de desconformidade, pois a corrupção nacional é uma bandeira, a incompetência tornou-se um outdoor dos burocratas, e a indiferença, uma prática usual. A geração crescente de escândalos e a impunidade se tornaram a antítese de nossa capacidade de indignação.
É lamentável constatar que neste país das liminares, de habeas corpus, dos desmentidos do indesmentível e de tantas pizzas, indignar-se é tempo perdido e geração de estresses.
Fonte:www.filosofialimite.blogspot.com.br

O Filósofo do Absurdo


A Record lança Albert Camus: uma vida, de Oliver Todd, que acompanha em detalhe a história do argelino morto tragicamente em um acidente de carro.
No dia 4 de julho de 1960, o homem que ganhou o Prêmio Nobel de 57 e que gastou metade do cheque na compra de um palacete no campo, recebeu a visita de seus inseparáveis amigos Anne, Janine e Michel Gallimard. Eles o fizeram desistir de uma passagem de trem para voltarem juntos de carro a Paris. O carro, um Facel-Véga dirigido por Michel Gallimard, seu editor, na altura da Rodovia 5, se arrebentou contra um plátano, entre as pequenas localidades de Champigny-sur-Yonne e Villeneuve-la-Guyard, na França. O relógio do painel do carro foi encontrado bloqueado às 13h55m, provavelmente a hora exata de sua morte. Anne e Janine saíram ilesas e Michel morreu cinco dias depois. Em Albert Camus, uma biografia, lançado pela Record, Olivier Todd relembra "a seus amigos, Camus dizia com freqüência que nada era mais escandaloso do que a morte de uma criança e nada mais absurdo do que morrer num acidente de automóvel''.
Camus nasceu em Bône, cidadezinha a 18 horas de trem de Argel, capital da Argélia, no norte da África, a 7 de novembro de 1913. Órfão de pai vinhateiro, morto na Grande Guerra européia, e filho de uma faxineira analfabeta, cresceu ‘‘a meio caminho entre a miséria e o sol.'' A biografia de Todd traz elementos pessoais novos da vida do autor, produtos de uma extensa pesquisa que incluiu cerca de 200 entrevistas e acesso a arquivos raros, e que revelam a onipresença da tuberculose, doença adquirida, em 1913, que o impediu de fazer o agrégation - exame que lhe daria acesso ao mundo acadêmico - e a intensa vida amorosa daquele que foi, desde A Peste, o pensador do absurdo.
Camus se transformou em celebridade muito cedo. Antes de completar os 30 anos, , revelou-se como intelectual brilhante com a publicação em Paris, em 1942, de "O estrangeiro", o livro mais vendido da editora Gallimard desde que ela foi fundada. Jornalista de sucesso, passou pelos jornais Alger Républican, Paris-Soir e pela revista Paris-Match, consagrando-se como o melhor editorialista da França neste século pela sua atuação no Combat, publicação símbolo da resistência à ocupação da França pelos alemães durante a 2ª Guerra Mundial "A imprensa tem um papel de conselheira a ser desempenhado junto ao governo e de guia junto à opinião pública. O jornalismo crítico implica exigir que os artigos de fundo tenham fundo e que as notícias falsas ou duvidosas não sejam apresentadas como notícias verdadeiras".
Todd nos mostra que o homem que dizia ser até à morte um homem de esquerda foi perseguido por que não aceitava as atrocidades dos regimes socialistas - foi condenado por sua posição no caso da guerra de libertação anticolonialista da Argélia "Quero lutar pela justiça. Não nasci para me resignar à história". Anuciando antes de todos que a Era das Ideologias havia terminado, em O Homem Revoltado, ousou escrever: "Os operários lutaram, foram mortos para dar o poder a militares ou a intelectuais, futuros militares que por sua vez os submetiam." Dando definições tão duras quanto exatas das ditaduras comunistas de Lênin a Fidel Castro, Camus atacou o conformismo de muitos filósofos diante da herança stalinista, alertando para o perigo do dogmatismo histórico, que aceitava a tese do fim justificado pelos meios.
Foi quando Camus trocou o jornalismo pela literatura como meio de vida, transformando-se num romancista e num intelectual amante dos debates filosóficos. "O trabalho do escritor consiste em escrever, com o máximo possível de exigências, e ao final desse esforço às vezes lhe acontece encontrar o que tanto buscou em si mesmo. A criação não é uma alegria no sentido vulgar. É uma servidão, uma terrível escravidão voluntária - e a alegria se assemelha muito à das grandes vitórias, tem um perfume de melancolia". Inspirando-se em Oscar Wilde André Gide, René Char, Ésquilo, Dostoievski e Marx e Engels , Camus deu-se conta de que os clássicos reescrevem a mesma obra continuamente e a literatura funciona como filosofia "um romance nunca passa de uma filosofia posta em imagens". Suas obras refletem isso. Tanto A QuedaOExílio e o ReinoO Estrangeiro e A Pestee a peça teatral O Mal-entendido, possuem uma estrutura construída sobre o equilíbrio frágil de forças antagônicas, num jogo de alternâncias entre natureza e história, entre o gozo individual dos bens naturais e compromisso coletivo frente à injustiça, entre desejo de permanência e destino de morte. "A miséria me impediu de acreditar que tudo está bem sob o sol e na história; o sol me ensinou que a história não é tudo."
O resgate político e filosófico de sua obra se completa com uma interpretação detalhada da vida pessoal de Camus. Reunindo uma extensão de cartas pessoais inéditas, elas permitem perceber que frente ao absurdo, ainda é mais forte a força que apela a vida. Entre as várias cartas compiladas, Todd revela Camus como o amante de várias mulheres. A primeira era Mi, uma jovem pintora. A segunda, Catherine Sellers, uma atriz que viveu papéis de destaque no teatro parisiense. A terceira, Maria Casares, internacionalmente famosa, a bela e talentosa atriz de teatro com quem manteve um relacionamento por 16 anos. Houve ainda uma quarta em Nova York, chamada Patricia Blake e Mamaine, a amante de Artur Koestler. Disso, resulta uma perspectiva que faz o biógrafo a aproxima-lo de Don Juan, protagonista de casos amorosos e que "se inebria a cada conquista". Longe de ser um parisiense despreocupado, ele importava-se com suas aventuras amorosas. "Seus relacionamentos com mulheres são muito mais saudáveis que os de Sartre, além de ser mais tocantes", afirma Olivier Todd. E completa: "Encantador e sombrio, sincero e teatral, humilde e arrogante, Camus queria que gostassem dele. Muitas vezes o conseguiu. Desejava, é claro, ser compreendido, mas não o conseguiu, no final de sua vida. Falou demais da felicidade para ser feliz" O mérito do livro é o fato de descreve-lo como ser humano e humanista, um auto-crítico e crítico do entusiasmo excessivo de seus colegas pela esquerda, um homem de frágil, multifacetado, polifônico e admiravelmente sedutor. Uma historia fascinante, que se desenrola em meio a décadas de um século atravessado por guerras e que soube extrair uma lição disso tudo, a de o absurdo da vida não pode ser um fim, mas apenas um começo e o importante são as conseqüências e as regras de que se tira dela. Marcado pela precariedade da vida, Camus nos adverte para a necessidade de aproveitá-la ao máximo. Quando o Camus morreuJean-Paul Sartre disse: " O seu humanismo insistente, limitado e puro, austero e sensual, travava um controle doloroso contra os acontecimentos maciços e disformes deste tempo. O escândalo desta morte é a abolição da ordem dos homens pelo inumano."