Introdução
As atividades humanas encontram-se, por unânime consenso, em um estado deplorável. Esta, no entanto, não é uma novidade. Olhando para trás até onde podemos, elas sempre estiveram em um estado deplorável. O pesado fardo de desgraças e misérias que os seres humanos devem suportar, seja como indivíduos, seja como membros da sociedade organizada, é substancialmente o resultado do modo extremamente improvável – e ouso dizer estúpido – pelo qual a vida foi organizada desde os seus inícios.
Desde Darwin, sabemos que compartilhamos a nossa origem com as outras espécies do reino animal, e todas as espécies, sabe-se, da lombriga ao elefante, devem suportar a sua dose cotidiana de atribulações, temores, frustrações, penas e adversidades. Os seres humanos, todavia, têm o privilégio de terem de se sujeitar a um peso adicional, a uma dose extra de atribulações cotidianas, causadas por um grupo de pessoas que pertencem ao mesmo gênero humano. Este grupo é muito mais poderoso que a Máfia ou que o Complexo industrial-militar ou que a Internacional Comunista. É um grupo não organizado, que não faz parte de nenhuma hierarquia, que não tem chefe, nem presidente, nem estatuto, mas que consegue ainda assim operar em perfeita sintonia como se fosse guiado por uma mão invisível, de tal modo que as atividades de qualquer membro contribuem potencialmente para reforçar e amplificar as atividades de todos os demais. A natureza, o caráter e o comportamento dos membros deste grupo são o argumento das páginas que seguem.
É necessário salientar neste ponto que este ensaio não é fruto de cinismo nem um exercício de derrotismo social – não mais do que o é um livro de microbiologia. As seguintes páginas são, de fato, o resultado de um esforço construtivo para investigar, conhecer e portanto, possivelmente, neutralizar uma das mais poderosas e obscuras forças que impedem o crescimento do bem-estar e da felicidade humana.
Primeiro Capítulo – A Primeira Lei Fundamental
A
Sempre e inevitavelmente cada um de nós subestima o número de indivíduos estúpidos em circulação¹.À primeira vista esta afirmação pode parecer trivial, ou óbvia, ou até mesquinha, ou mesmo todas as três coisas juntas. No entanto, um exame mais atento revela plenamente a sua realista veracidade. Considere-se o que segue. Por mais alta que seja a estimativa quantitativa que alguém faça da estupidez humana, resta-se repetidamente e recorrentemente espantado pelo fato de que:
(a) pessoas que julgávamos no passado como racionais e inteligentes revelam-se depois, subitamente, inequívoca e irremediavelmente, estúpidas;A
(b) dia após dia, com uma incessante monotonia, vêmo-nos dificultados e obstruídos em nossas próprias atividades por indivíduos teimosamente estúpidos, que aparecem repentina e inesperadamente nos lugares e nos momentos menos oportunos.
¹ Os autores do Velho Testamento estavam cientes da existência da Primeira Lei Fundamental e a parafrasearam ao afirmar que “stultorum infinitum numerus”, mas cometeram um exagero poético. O número de pessoas estúpidas não pode ser infinito porque o número de pessoas vivas é finito. (N. do A.)
Segundo Capítulo – A Segunda Lei Fundamental
Trata-se de uma opinião generalizada de que pessoalmente não compartilho. É a minha firme convicção, sustentada por anos de observações e experimentos, que os homens não são iguais, que alguns são estúpidos e outros não, e que a diferença é determinada não por forças ou fatores culturais, mas por características biogenéticas da inescrutável Mãe Natureza. Alguém é estúpido da mesma forma que um outro é ruivo; alguém pertence ao grupo dos estúpidos como um outro pertence a um grupo sanguíneo. Em resumo, alguém nasce estúpido por vontade indecifrável e indiscutível da Divina Providência.
Mesmo convencido que uma fração
A probabilidade de uma certa pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica desta mesma pessoa.A este propósito, a Natureza parece realmente ter superado a si mesma. É fato conhecido que a Natureza, ainda que misteriosamente, age de forma a manter constante a frequência relativa de certos fenômenos naturais. Por exemplo, quer os homens proliferem no Pólo Norte ou no Equador, quer os casais que se unem sejam bem-nutridos ou subdesenvolvidos, quer sejam negros, vermelhos, brancos ou amarelos, a relação macho-fêmea entre os recém-nascidos é constante, com uma ligeira prevalência de machos. Não sabemos como a natureza faz para obter este extraordinário resultado, mas sabemos que para obtê-lo ela deve operar com grandes números. O fato extraordinário acerca da frequência da estupidez é que a Natureza consiga fazer com que tal frequência seja sempre e em qualquer parte constante e portanto igual à probabilidade
A prova de que a educação e o ambiente social não tem nada a ver com a probabilidade sfoi fornecida por uma série de experimentos conduzidos em muitas universidades do mundo. Podemos subdividir a população de uma universidade em quatro grandes categorias: os zeladores, os funcionários, os estudantes e o corpo docente.
Todas as vezes em que se analisaram os zeladores, descobriu-se que uma fração
Este resultado é difícil de aceitar e digerir, mas várias evidências experimentais nos provaram a sua fundamental validade. A
Terceiro Capítulo – Um intervalo técnico
Neste ponto é necessário esclarecer o conceito de estupidez humana e definir a
Os indivíduos são caracterizados por diferentes graus de propensão a sociabilizar. Há indivíduos para os quais qualquer contato com outros indivíduos é uma dolorosa necessidade. Eles devem literalmente suportas as pessoas e as pessoas devem suportá-los No outro extremo do espectro estão os indivíduos que não podem absolutamente viver sozinhos e estão até mesmo dispostos a gastar seu tempo na companhia de pessoas que desdenham, para não ficarem sozinhos. Entre esses dois extremos, existe uma grande variedade de condições, se bem que a grande maioria das pessoas esteja mais próxima do tipo que não pode suportar a solidão e não do tipo que não tem propensão a contatos humanos. Aristóteles reconheceu este fato quando escreveu que “o homem é um animal social”, e a validade da sua afirmação é demonstrada pelo fato de que nós nos movimentamos em grupos sociais, que há mais pessoas casadas do que solteiras, que tanta riqueza e tempo sejam desperdiçados em exasperantes e maçantes
Quer pertença-se ao tipo eremita ou ao tipo mundano, deve-se de qualquer modo lidar com gente, ainda que com diversa intensidade. De vez em quando, até os eremitas encontram pessoas. Além do que, põe-se sempre em relação com os seres humanos também evitando-os. Aquilo que eu poderia ter feito por um indivíduo ou por um grupo, e que não fiz, representa um “custo-oportunidade” (isto é, um ganho perdido, ou uma perda) para aquela particular pessoa ou grupo. A moral da história é que cada um de nós tem uma conta corrente com cada um dos demais. De qualquer ação, ou não ação, cada um de nós leva um ganho ou uma perda, e ao mesmo tempo determina um ganho ou uma perda a algum outro.Os ganhos e perdas podem ser oportunamente ilustrados em um gráfico, e a figura 1 mostra o gráfico base utilizável para este escopo.
Figura 1 |
Para tornar as coisas claras, tomemos um exemplo hipotético, referindo-nos à figura 1. Tício realiza uma ação que atinge Caio. Se Tício com a sua ação consegue um ganho e Caio, pela mesma ação, sofre uma perda, a ação será registrada no gráfico por um símbolo que aparecerá em qualquer ponto da área B.
Os ganhos e perdas podem ser registrados em dólares ou francos ou liras, caso se queira, mas devem-se incluir também as recompensas e as satisfações psicológicas e emotivas, e os estresses psicológicos e emotivos. Estes são bens (ou males) imateriais, e portanto bastante difíceis de mensurar com parâmetros objetivos. A análise do tipo custo-benefício pode ajudar a resolver o problema, ainda que não completamente, mas não quero aborrecer o leitor com detalhes técnicos: uma margem de imprecisão pode prejudicar as medidas, mas não a essência do argumento. Um ponto contudo deve ficar claro. Ao considerar a ação de Tício e ao avaliar os benefícios ou perdas que Tício leva, deve-se levar em conta o sistema de valores de Tício; mas para determinar o ganho ou a perda de Caio, é absolutamente indispensável referir-se ao sistema de valores de Caio e não àquele de Tício. Frequentemente ignora-se esta norma de
Quarto Capítulo – A Terceira (e áurea) Lei Fundamental
A Terceira Lei Fundamental pressupõe, ainda que não o enuncie completamente, que os seres humanos pertencem a uma de quatro categorias fundamentais: os ingênuos, os inteligentes, os bandidos e os estúpidos. O leitor arguto compreenderá facilmente que estas quatro categorias correspondem às quatro áreas H, I, B, S do gráfico base (ver fig. 1 [na postagem anterior]).
Se Tício realiza uma ação e sofre uma perda, enquanto ao mesmo tempo oferece uma vantagem a Caio, o símbolo de Tício cairá no campo H: Tício agiu como ingênuo. Se Tício realiza uma ação com a qual obtém uma vantagem, e ao mesmo tempo oferece uma vantagem também a Caio, o símbolo de Tício cairá na área I: Tício agiu inteligentemente. Se Tício realiza uma ação com a qual ganha uma vantagem, causando uma perda a Caio, o ponto de Tício cairá na área B: Tício agiu como bandido. A estupidez corresponde à área S e a todas as posições no eixo Y abaixo do ponto O. A Terceira Lei Fundamentalesclarece que:
Uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa um dano a uma outra pessoa ou grupo de pessoas, sem, ao mesmo tempo, obter qualquer vantagem para si ou até mesmo sofrendo uma perda.Diante da Terceira Lei Fundamental, as pessoas sensatas reagem instintivamente com ceticismo e incredulidade. O fato é que as pessoas sensatas têm dificuldades em conceber e a compreender um comportamento irracional. Mas deixemos de lado a teoria e observemos ao invés disso o que nos acontece na prática, na vida de todos os dias. Todos nos recordamos de casos nos quais tivemos desafortunadamente de lidar com um indivíduo que buscava para si um ganho, causando-nos uma perda: deparamo-nos com um bandido. Podemos nos recordar ainda de casos nos quais um indivíduo realizou uma ação cujo resultado foi-lhe uma perda e para nós um ganho: lidamos com um ingênuo¹.
Podemos nos recordar também de casos nos quais um indivíduo realizou uma ação com a qual ambas as partes levaram vantagem: tratava-se de uma pessoa inteligente. Tais casos ocorrem continuamente. Mas refletindo bem, é preciso admitir que estes casos não representam a totalidade de eventos que caracterizam a nossa vida de todos os dias. A nossa vida é também pontuada por eventos em que sofremos perdas de dinheiro, tempo, energia, apetite, tranquilidade e bom-humor, por culpa das improváveis ações de alguma absurda criatura que aparece nos momentos mais impensáveis e inconvenientes para provocar-nos danos, frustrações e dificuldades, sem ter absolutamente nada a ganhar com aquilo que realiza. Ninguém sabe, compreende ou pode explicar por que essa absurda criatura faz o que faz. De fato, não há explicação – ou melhor – a explicação é uma só: a pessoa em questão é estúpida.
¹ Note-se a definição precisa “um indivíduo realizou uma ação”. O fato de ter sido ele a iniciar a ação é decisivo para estabelecer que ele é um ingênuo. Se tivesse sido eu a empreender a ação que determinou o meu ganho e a sua perda, a conclusão seria diferente: neste caso, eu teria sido um bandido. (N. do A.)
Quinto capítulo – Distribuição de frequências
A maior parte das pessoas não age coerentemente. Em algumas circunstâncias uma pessoa age inteligentemente e em outras aquela mesma pessoa comporta-se como ingênua. A única importante exceção à regra é representada pelas pessoas estúpidas, que normalmente mostram uma máxima propensão a uma plena coerência em todos os campos de atividade.
Deste fato não segue que pode-se assinalar no gráfico apenas as posições dos indivíduos estúpidos. Podemos calcular para toda pessoa a sua posição no plano da figura 1 [na parte 3] com base na média ponderada. Uma pessoa inteligente pode às vezes comportar-se como ingênua, como pode às vezes assumir um comportamento banditesco. Mas, como a pessoa em questão é fundamentalmente inteligente, a maior parte das suas ações terá a característica da inteligência e a sua média ponderada colocar-se-á no quadrante I do gráfico n° 1.
O fato de ser possível colocar no gráfico os indivíduos, em vez das suas ações, permite digressões sobre a frequência dos bandidos e dos estúpidos.
O perfeito bandido é aquele que, com as suas ações, causa a outros perdas equivalentes aos seus ganhos. O mais primitivo tipo de banditismo é o roubo. Uma pessoa que rouba 10.000 liras sem causar-nos danos adicionais é um bandido perfeito: perdemos 10.000 liras, ele ganha 10.000. No gráfico, os bandidos perfeitos aparecerão sobre a linha diagonal de 45 graus que divide a área B em duas subáreas perfeitamente simétricas (linha OM da figura 2).
Figura 2 |
Os bandidos que ocupam a área Bi são aqueles que procuram para si mesmos ganhos maiores que as perdas que causam aos outros. Todos os bandidos que ocupam uma posição na área Bi são desonestos com um elevado grau de inteligência, e quanto mais a sua posição se aproxima da parte direita do eixo X, mais características tais bandidos compartilham com a pessoa inteligente. Infelizmente, os indivíduos que ocupam a área Bi não são muito numerosos. A maior parte dos bandidos coloca-se efetivamente na área Bs. Os bandidos que introduzem-se nesta área são indivíduos cujas ações trazem-lhes vantagens inferiores às perdas causadas aos outros. Se alguém te faz cair e quebrar uma perna para roubar 10.000 liras, ou causa-te danos ao carro no valor de meio milhão de liras para roubar o som, com a qual obterá no máximo 30.000 liras, se alguém te dá um tiro de revólver e te mata só para passar uma noite em companhia da tua mulher em Monte Carlo, podemos estar certos de que não trata-se de um bandido “perfeito”. Sempre utilizando os seus parâmetros para mensurar os seus ganhos (mas usando os nossos parâmetros para mensurar as nossas perdas), ele cairá na área Bs, muito próximo ao limite da estupidez pura.
A distribuição de frequências das pessoas estúpidas é totalmente diferente da dos bandidos e dos ingênuos. Enquanto estes últimos estão na maior parte espalhados pelo espaço da respectiva área, os estúpidos estão na maior parte concentrados ao longo do eixo Y abaixo do ponto O. A razão disso é que a grande maioria das pessoas estúpidas são fundamentalmente e firmemente estúpidas – em outras palavras, eles insistem com perseverança em causar danos ou perdas a outras pessoas sem obter nenhum ganho para si, seja este positivo ou negativo. Há, no entanto, pessoas que, com suas inverossímeis ações, não apenas causam danos a outras pessoas, mas também a si mesmos. Estes formam um gênero de superestúpidos que, com base no nosso sistema de cálculo, aparecerão em qualquer ponto da área S à esquerda do eixo Y.
Sexto Capítulo– Estupidez e poder
Como todas as criaturas humanas, também os estúpidos influenciam outras pessoas com intensidades muito variadas. Alguns estúpidos causam normalmente apenas perdas limitadas, enquanto alguns conseguem causar danos impressionantes não só a um ou dois indivíduos, mas a inteiras comunidades ou sociedades. O potencial de uma pessoa estúpida criar danos depende de dois fatores principais. Antes de tudo, depende do fator genético. Alguns indivíduos herdam notáveis doses do gene da estupidez e, graças a tal hereditariedade, pertencem, desde o nascimento, à elite do seu grupo. O segundo fator que determina o potencial de uma pessoa estúpida deriva da posição de poder e de autoridade que ela ocupa na sociedade. Entre burocratas, generais, políticos, chefes de estado e homens da igreja, encontra-se a áurea proporção s de indivíduos fundamentalmente estúpidos, cuja capacidade de prejudicar o próximo foi (ou é) perigosamente acrescida pela posição de poder que ocuparam (ou ocupam).
A pergunta que frequentemente colocam-se as pessoas sensatas é de que modo e como pessoas estúpidas conseguem chegar a posições de poder e de autoridade.
Classe e casta (seja laica ou eclesiástica) foram as instituições sociais que permitiram um fluxo constante de pessoas estúpidas a posições de poder na maior parte das sociedades pré-industriais. No mundo industrial moderno, classe e casta vão perdendo cada vez mais destaque. Mas, no lugar de classe e casta, existem partidos políticos, burocracia e democracia. Em um sistema democrático, as eleições gerais são um instrumento de grande eficácia para assegurar a manutenção da fração s entre os poderosos. Recordemos que, com base na Segunda Lei, a fração s de pessoas que votam são estúpidas, e as eleições oferecem-lhes uma magnífica oportunidade para prejudicar todos os outros, sem obter nenhum ganho com suas ações. Eles atingem esse objetivo, contribuindo para a manutenção do nível s de estúpidos entre as pessoa no poder.
Sétimo capítulo – O poder da estupidez
Não é difícil compreender como o poder político ou econômico ou burocrático amplifica o potencial nocivo de uma pessoa estúpida. Mas devemos ainda explicar e entender o que rende essencialmente perigosa uma pessoa estúpida; em outras palavras, em que consiste o poder da estupidez.
Essencialmente, os estúpidos são perigosos e funestos porque as pessoas sensatas acham difícil imaginar e entender um comportamento estúpido. Uma pessoa inteligente pode entender a lógica de um bandido. As ações do bandido seguem um modelo de racionalidade: racionalidade perversa, caso queiram, mas sempre racionalidade. O bandido quer “algo mais” na sua conta. Dado que não é inteligente o bastante para inventar métodos para obter “algo mais” para si buscando ao mesmo tempo “algo mais” também para os outros, ele obterá o seu “algo mais” causando “algo menos” ao seu próximo. Tudo isso não é justo, mas é racional e, se é racional, pode ser previsto. Pode-se, em resumo, prever as ações de um bandido, as suas imundas manobras e as suas deploráveis aspirações e amiúde podem-se preparar as defesas oportunas.
Com uma pessoa estúpida tudo isso é absolutamente impossível. Como está implícito naTerceira Lei Fundamental, uma criatura estúpida perseguir-te-á sem razão, sem um plano preciso, nos momentos e nos locais mais improváveis e mais impensáveis. Não há nenhum método racional para prever se, quando, como e por que uma criatura estúpida levará adiante o seu ataque. Frente a um indivíduo estúpido, estamos completamente à sua mercê.
Já que as ações de uma pessoa estúpida não estão de acordo com as regras da racionalidade, segue que:
(a) geralmente somos tomados de surpresa pelo ataque;O fato de que a atividade e os movimentos de uma criatura estúpida são absolutamente erráticos e irracionais não apenas torna a defesa problemática, mas torna também extremamente difícil qualquer contra-ataque – é como tentar disparar em um objeto capaz dos mais improváveis e inimagináveis movimentos. Isso é o que Dickens e Schiller tinham em mente quando um afirmou que “com estupidez e boa digestão, o homem pode enfrentar qualquer coisa”, e o outro que “contra a estupidez até os deuses combatem em vão”.
(b) mesmo quando toma-se consciência do ataque, não se consegue organizar uma defesa racional, porque o ataque, por si mesmo, é desprovido de qualquer estrutura racional.
É preciso levar em conta também uma outra circunstância. A pessoa inteligente sabe que é inteligente. O bandido está consciente de ser um bandido. O ingênuo está penosamente repleto do senso da própria ingenuidade. Ao contrário de todos estes personagens, o estúpido não sabe que é estúpido. Isto contribui fortemente a dar maior força, incidência e eficácia às suas ações devastadoras. O estúpido não é inibido por aquele sentimento que os anglossaxões chamam de self-consciousness. Com o sorriso nos lábios, como se estivesse realizando a coisa mais natural do mundo, o estúpido aparecerá improvisadamente para destroçar os teus planos, destruir a tua paz, complicar-te a vida e o trabalho, fazer-te perder dinheiro, tempo, bom-humor, apetite, produtividade – tudo isso sem malícia, sem remorso, e sem motivo. Estupidamente.
Oitavo capítulo – A Quarta Lei Fundamental
Não se deve ficar espantado se as pessoas ingênuas, isto é, aquelas que no nosso sistema caem na área H, em geral não consigam reconhecer a periculosidade das pessoas estúpidas. O fato só representa outra manifestação da sua ingenuidade. O que é verdadeiramente surpreendente é que mesmo as pessoas inteligentes e os bandidos frequentemente não conseguem identificar o poder devastador e destruidor da estupidez. É extremamente difícil explicar por que isso ocorre. Pode-se apenas conjecturar que frequentemente tanto os inteligentes quanto os bandidos, quando abordados por indivíduos estúpidos, cometem o erro de abandonar-se a sentimentos de auto-complacência e desprezo, ao invés de produzir imediatamente quantidades maiores de adrenalina e preparar as defesas.
É-se geralmente levado a acreditar que uma pessoa estúpida faça mal somente a si própria, mas isto significa enfrentar a estupidez com a ingenuidade. Às vezes, é-se tentado a associar-se com um indivíduo estúpido com o objetivo de usá-lo para os próprios objetivos. Tal manobra só pode ter efeitos desastrosos porque: (a) é baseada em uma completa incompreensão da natureza essencial da estupidez; e (b) dá à pessoa estúpida mais espaço para o exercício dos seus talentos. Alguém pode se iludir a manipular uma pessoa estúpida e, até certo ponto, pode-se até conseguir. Mas, por causa do errático comportamento do estúpido, não se pode prever todas as suas ações e reações, e em breve ver-se-á desarticulado e pulverizado por suas imprevisíveis ações.
Tudo isso é claramente sintetizado pela Quarta Lei Fundamental, que afirma que
As pessoas não estúpidas subestimam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas. Em particular, os não estúpidos esquecem constantemente que, em qualquer momento e lugar, e em qualquer circunstância, tratar e/ou associar-se a indivíduos estúpidos demonstra-se infalivelmente um custosíssimo erro.Nos séculos dos séculos, na vida pública e privada, inúmeras pessoas não levaram em conta a Quarta Lei Fundamental e isso causou incalculáveis perdas à humanidade.
Nono capítulo – Macroanálise e a Quinta Lei Fundamental
As considerações finais do capítulo precedente conduzem a uma análise do tipo “macro”, na qual, ao invés do bem-estar individual, considera-se o bem-estar da sociedade, definido, neste contexto, como a soma algébrica das condições de bem-estar individual. Uma completa compreensão da Quinta Lei Fundamental é essencial para esta análise. É necessário, por outro lado, acrescentar que, das cinco leis fundamentais, a Quinta é certamente a mais conhecida e o seu corolário é citado muito frequentemente. Ela afirma que:
A pessoa estúpida é o tipo de pessoa mais perigoso que existe.O corolário da lei é que:
O estúpido é mais perigoso que o bandido.A formulação da lei e do corolário ainda é do tipo “micro”. Como indicado acima, todavia, a lei e o seu corolário têm implicações de natureza “macro”. O ponto essencial a ter em conta é este: o resultado da ação de um perfeito bandido (a pessoa que cai sobre a linha OM da figura 2) representa pura e simplesmente uma transferência de riqueza e/ou bem-estar. Depois da ação de um perfeito bandido, ele terá um “positivo” na sua conta, “positivo” que equivalerá exatamente ao “negativo” que ele terá causado a uma outra pessoa. Para a sociedade no seu conjunto a situação não terá melhorado nem piorado. Se todos os membros de uma sociedade fossem bandidos perfeitos, a sociedade permaneceria em condições estagnantes, mas não haveria grandes desastres. Tudo limitar-se-ia a uma massiva transferência de riqueza e bem-estar em favor daqueles que realizaram a ação. Se todos os membros da sociedade tivessem de executar a ação em turnos regulares, não apenas a sociedade inteira, mas também os indivíduos particulares, encontrariam-se em um estado de perfeita estabilidade.
Mas quando os estúpidos colocam-se em ação, a música muda completamente. As pessoas estúpidas causam perdas a outras pessoas sem receber vantagens para si mesmos. Segue que a sociedade inteira empobrece.
Figura 3 |
Em outras palavras, os ingênuos dotados de elementos de inteligência mais elevados com respeito à média da sua categoria (área Hi), assim como os bandidos com dotes de inteligência (área Bi), e sobretudo os inteligentes (área I) contribuem todos, em medidas diferentes, a aumentar o bem-estar da sociedade. Por outro lado, os bandidos com dotes de estupidez (área Bs) e os ingênuos com elementos de estupidez (área Hs) só fazem acrescentar as perdas àquelas já causadas pelas pessoas estúpidas (área S), aumentando assim o seu nefasto poder destruidor.
Tudo isso sugere algumas reflexões sobre o desempenho da sociedade. De acordo com a Segunda Lei Fundamental, a fração de gente estúpida é uma constante s, que não é influenciada por tempo, espaço, raça, classe ou qualquer outra variável histórica ou sócio-cultural. Seria um grave erro crer que o número de estúpidos seja mais elevado em uma sociedade em declínio que em uma sociedade em ascensão. Ambas sofrem o mesmo percentual de estúpidos. A diferença entre as duas sociedades consiste no fato de que, na sociedade em declínio:
(a) aos membros estúpidos da sociedade é permitido, pelos demais membros, tornarem-se mais ativos;Esta hipótese teórica é abundantemente confirmada por uma exaustiva análise de casos históricos. Com efeito, a análise histórica nos permite reformular as conclusões teóricas de modo mais completo e com detalhes mais realísticos.
(b) há uma mudança na composição da população de não estúpidos, com um aumento relativo das populações das áreas Hs e Bs.
Seja considerando a era clássica, medieval, moderna ou contemporânea, permanecemos assombrados pelo fato de que todo país em ascensão tem a sua inevitável quota de pessoas estúpidas. Todavia, um país em ascensão tem também um percentual insolitamente alto de indivíduos inteligentes, que buscam manter a fração s sob controle, e que, ao mesmo tempo, procuram ganhos para si mesmos e para os demais membros da comunidade, suficientes para tornar o progresso uma certeza.
Em um país em declínio, o percentual de indivíduos estúpidos é sempre igual a s; todavia, na população restante nota-se, especialmente entre os indivíduos no poder, uma alarmante proliferação de bandidos com uma alta porcentagem de estupidez (subárea Bs do quadrante B na fig. 3) e, entre aqueles não ao poder, um igualmente alarmante aumento no número de ingênuos (área H no gráfico base, fig. 1). Tal mudança na composição da população de não estúpidos reforça inevitavelmente o poder destruidor da fração s de estúpidos e leva o país à ruína.
Apêndice
Nas páginas seguintes, o leitor encontrará um certo número de gráficos que poderá utilizar para registrar as ações de pessoas ou grupos com os quais tem de lidar constantemente. Isto permitirá formular avaliações precisas das pessoas ou grupos em questão e, portanto, adotar uma linha de ação racional em seus contatos.
[Em virtude do caráter digital desta tradução, julgou-se necessário fornecer apenas uma cópia do gráfico base. (N. do T.)]
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