Filosofia Circular

segunda-feira, 25 de março de 2013

Montesquieu e a escravidão


Charles-Louis de Secondat, Barão de La Brède e de Montesquieu, nasceu em 18 de janeiro de 1689 no castelo de La Brède, perto de Bordéus, França, Montesquieu era membro de uma família da aristocracia provincial. Fez sólidos estudos humanísticos e jurídicos, mas também freqüentou em Paris os círculos da boêmia literária. Montesquieu morreu em Paris, em 10 de fevereiro de 1755, suas teorias exerceram profunda influência no pensamento político moderno. Inspiraram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada em 1789, durante a revolução francesa, e a constituição dos Estados Unidos, de 1787.
Althusser escreve que, “Declarar Montesquieu o fundador da ciência política é uma verdade adquirida. Desse-o Auguste Comte, repetiu-o Durkheim e nunca ninguém contestou sèriamente tal afirmação” (1977, p. 17).
Montesquieu é leitura obrigatória dentro do ensino de sociologia, onde possui um potencial em seu desprendimento e próprio entendimento para compreender as objetivações sociais das épocas modernas assim como as precedentes.    
A sociologia em Montesquieu
Montesquieu parte do estudo da diversidade, costumes, idéias, leis, instituições procurando organizar esta diversidade. Segundo Aron, “Montesquieu seria [...] um sociólogo que investiga a influência que o clima, a natureza do solo, a quantidade de pessoas e a religião podem exercer sobre os diferentes aspectos da vida coletiva”. (2003, p. 10). Travando a questão das influências dos meios geográficos como solo e clima pertencendo ao estudo das causas físicas. O que ocorre muito é que para Montesquieu o temperamento, a forma de ser e viver, estão relacionados ao clima, dessa forma “[…] parece acreditar que um certo meio físico determina diretamente uma certa maneira de ser fisiológica, nervosa e psicológica dos homens”. (ARON, 2003, p. 33).
            Como livro celebre e do qual deixou um emaranhado de pensamentos, estaria O espírito das leis, do qual Aron cita, “[...] a intenção de O espírito das leis, pelo que me parece, é evidentemente sociológica” (2003, p. 4). E, a partir da sociologia de Montesquieu é que pensamos elaborar o seu conhecimento junto ao que entendia por escravidão.
Montesquieu e a escravidão
A escravidão é um direito ao qual torna um homem tão sujeito a outro homem, este tem, portanto o direito de “posse”, ou melhor o escravo não passa de mercadoria. Montesquieu admite que a escravidão não é boa nem para o senhor muito menos para o escravo. Quanto aos países despóticos nos quais já se vive em uma escravidão política, a escravidão civil é tolerável.
Na monarquia não deve haver escravidão, na democracia e na aristocracia escravos são contrários aos princípios da constituição. Montesquieu começa a elaborando o princípio do direito à escravidão, primeiro dentro dos jurisconsultos romanos, que a elaboram de três maneiras. Pelo direito das gentes que quis que os homens que fossem prisioneiros tornassem escravos para que não fossem mortos. O direito civil dos romanos no qual permitia que devedores pudessem ser maltratados por seus credores e que vendessem a si mesmos. E o direito natural, que a criança que tivesse incapacidade de sustentá-la também se tornaria escrava como seu pai.
Não existe nas três razões sensatez para Montesquieu primeiro porque não se legitima que se possa matar na guerra, não é verdade que um homem livre vende a si mesmo, e terceiro, cai com as duas outras, “[...] pois se um homem não pode vender-se, muito menos pode vender seu filho que ainda não nascera. Se um prisioneiro de guerra não pode ser reduzido à servidão, podem-no ainda menos que os seus filhos” (MONTESQUIEU, 1996, p. 255).
O problema é que a lei da escravidão está sempre contra o escravo, nunca a favor dele. [2] O que torna a visão de ser-lhe útil para Montesquieu pelo fato do escravo ser alimentado pelo senhor, receber, malevolamente as necessidades fisiológicas, que na realidade não passam de utensílios para mantê-lo vivo. Para Montesquieu a escravidão é tão oposta ao direito civil quanto ao direito natural. [3]
A outra forma escravocrata para Montesquieu seria a escravidão devido a diferentes costumes, que levariam os homens a pensarem, imaginarem o altruísmo alheio, ao não adentramento dos mecanismos da escravidão, tornar o outro escravo pelo fato deste possuir um costume antagônico ao seu, ou melhor, diferentes meios de realizar a vida em sociedade.
Lopes de Gomara conta “que os espanhóis encontraram perto de Santa Marta cestos onde os habitantes guardavam seu alimento: eram caranguejos, lesmas, cigarras, grilos. Os vencedores fizeram de tal coisa um crime dos vencidos”. O autor confessa que foi sobre isto que se fundamentou o direito que tornava os americanos escravos dos espanhóis, além de eles fumarem tabaco e de não fazerem a barba a espanhola. (MONTESQUIEU, 1999, p. 256)
          

            Também a religião é uma forma de manter servos aos bel-prazeres dos religiosos.
Mas como todos os homens nascem iguais, é preciso dizer que a escravidão é contra a natureza, ainda que em certos países esteja fundada numa razão natural; e deve-se distinguir bem estes países daqueles onde as próprias razões naturais a rejeitam, como os países da Europa, onde foi tão felizmente abolida. (MONTESQUIEU, 1999, p. 258). 
Dessa forma, Montesquieu sintetiza a declaração dos direitos do homem e do cidadão, observando que todos os homens nascem livres e iguais, assim seria a escravidão contra a natureza humana.
Se na Europa já havia sido abolida a escravidão, países como o Brasil levaria mais ou menos 150 anos para ser abolida. Regiões como o Rio Grande do Sul recebeu um grande contingente de escravos, o que torna dizer que a escravidão como meio de benefício ocasionou em uma ruptura com os moldes econômicos e sociais. Para se ter uma idéia em 1888 quando foi declarada a abolição da escravatura apenas 5% da população era escrava, as pessoas que queriam a liberdade dos negros não possuíam escravos, então a ruptura não foi tão grande economicamente e nem socialmente.
Desde o princípio “[...] as leis foram malfeitas, foram encontrados homens preguiçosos: porque estes homens eram preguiçosos, foram submetidos à escravidão” (MONTESQUIEU, 1996, p. 259), não seria esse motivo para se deslocar homens a uma escravidão, os índios no Brasil sempre foram tidos como preguiçosos, porém muito foi usado de seus serviços. Primeiro o índio diferente do negro tinha conhecimento do território em que vivia e dessa forma não tendo como mantê-lo em lugar privativo, acabava ficando difícil o excesso. Segundo, o índio não tinha costume de tempo de trabalho e outras coisas, não havia em sua tribo a tarefa árdua de determinado a fazer. O negro, era trazido das regiões da África chegando ao Brasil sem qualquer conhecimento do território que estava em questão, não tendo condições propicias para fugir pelo fato de não conhecer o território, não conhecer o idioma, e caso fugisse não ter lugar onde pairar.
Aqueles que mais falam a favor da escravidão teriam por ela um maior horror, e os homens mais miseráveis também teriam horror por ela. O clamor pela escravidão é, então, o clamor pelo luxo e pela voluptuosidade e não pelo amor da felicidade pública. Quem pode duvidar de que cada homem, em particular, não ficasse muito contente de ser senhor dos bens, da honra e da vida dos outros, e que todas as suas paixões não despertassem rapidamente a esta idéia? Nestas coisas, se quiserem saber se os desejos de cada um são legítimos, examinem os desejos de todos. (MONTESQUIEU, 1996, p. 260).
Montesquieu identifica duas formas de servidão; a real, aquela que segundo ele ata os escravos à gleba, no que cada um deve entregar uma porcentagem do que produz ao seu senhor. E, a servidão pessoal, que se “[...] trata do ministério da casa e está mais relacionada à pessoa do senhor” (MONTESQUIEU, 1996, p. 260).
O abuso extremo da servidão acontece quando ela é, ao mesmo tempo, pessoal e real. Tal era a servidão dos ilotas entre os lacedemônios; eram submetidos a todos os tipos de insultos dentro da casa: esta ilotia é contraria à natureza das coisas. Os povos simples só possuem uma escravidão real, porque suas mulheres e seus filhos fazem o trabalho doméstico. Os povos voluptuosos possuem uma escravidão pessoal, porque o luxo requer o serviço de escravos dentro da casa. Ora, a ilotia reúne, nas mesmas pessoas, a escravidão estabelecida entre os povos voluptuosos e a escravidão estabelecida entre os povos simples. (MONTESQUIEU, 1996, p. 261).
Dessa forma, as leis civis devem ter como objetivos suprir os abusos e os perigos da escravidão. A escravidão deve ser útil e não “voluptuosa” Montesquieu cita que entre os Lombardos havia uma lei que fisgava a incontinência dos senhores, pelo fato de que se o senhor dormisse com uma escrava ambos tornavam-se livres.
O Brasil durante quase 300 anos sofre escravidão, negros eram trazidos da África e feitos como escravos sem a menor piedade, em cada província ou mesmo em qualquer lugar do país era difícil não encontrar um tronco no meio da praça para chicotear os escravos que infligissem qualquer regra do senhor, com as constantes medidas inglesas de interromper o tráfico negreiro primeiro em 1850 com a lei Bill Albensen que determinava alvo dos navios britânicos qualquer embarcação que contivesse negros para serem escravizados no oceano.
Então a melhor forma encontrada pelos portugueses para que não se extinguisse a escravidão, foi incentivar as negras a terem filhos, e por sinal pediam muitos, tão pouco era normal um senhor dizer à negra que se ela parisse 7 filhos seria libertada, porém quando chegava no 6 era vendida a outro senhor que repetia a mesma conversa. O senhor mantinha sem maiores problemas relações sexuais com a sua escrava, porém a mulher do senhor jamais poderia, porque o filho seria um liberto, e se o filho fosse do senhor com a escrava o filho permaneceria escravo. Na realidade, era normal a relação sexual senhor-escrava, a mulher era apenas para dar-lhe filhos herdeiros e a escrava para dar-lhes prazer, tão pouco, muitas escravas foram mortas por ciúmes de suas senhoras.
Há a diferença de escravidão de Estado para Estado, que geralmente passa a ser sentida pelos cidadãos que ocupam todos os Estados. No governo despótico a escravidão civil não é tão sentida pela escravidão política que já é perene, cidadãos livres como escravos caminham quase que lado a lado.
O que não acontece em repúblicas libertas onde a liberdade política da mesma forma torna a liberdade civil preciosa, não é necessário possuir muitos escravos, para Montesquieu quem é privado da liberdade civil acaba sendo privado da liberdade política. “Nada aproxima mais da condição dos animais do que ver sempre homens livres e não sê-los”. (MONTESQUIEU, 1996, p. 263). Dessa maneira, o escravo vê a liberdade dos outros, porém não pode possuí-la, acabam sendo perigosos para a sociedade em que estão submetidos. Nos estados chamados de moderados por Montesquieu, ocorre um grande índice de revoltas, o que não é comum nos estados despóticos onde a repressão é maior, e feita com mais intensidade.
É menos perigoso armar os escravos na monarquia do que nas republicas. Naquela, um povo guerreiro, um corpo na nobreza conterão suficientemente esses escravos armados. Na republica, homens unicamente cidadãos não conseguirão conter pessoas que, com armas na mão, vão considerar-se iguais aos cidadãos. (MONTESQUIEU, 1996, p. 263).
Montesquieu imagina que em uma república onde os cidadãos são em certa forma livres é mais difícil conter os escravos pelo fato de que homens livres possuem pouca habilidade com armas ou mesmo meios para que não se manifestassem vontades de seus “súditos”, o que não ocorre na monarquia em que à nobreza tendo já a continuidade de suas monções de conhecimento com armas, por exemplo, torna mais fácil para conter a manifestação escrava quando houver. Dessa forma, “Quando toda a nação é guerreira, os escravos armados ainda são menos temíveis” (MONTESQUIEU, 1996, p. 264).
Montesquieu observa que “Os primeiros romanos viviam, trabalhavam e comiam com seus escravos, tinham com eles muita brandura e equidade; [...]” (MONTESQUIEU, 1996, p. 264), o que não ocorre posteriormente, isso leva a pensar que além da questão funcional de escravidão haver mudado também o conceito escravidão mudou muito, entre os romanos não se tinha relações de escravidão tão enraizado quando se vê nos séculos posteriores. Muito se vincula escravidão aos negros o que na realidade não ocorria entre os romanos, escravos eram aqueles que eram capturados, que eram feitos escravos a partir da captura. “Os homens acostumam-se com tudo, até mesmo com a servidão, contanto que seu senhor não seja mais duro do que a servidão” (MONTESQUIEU, 1996, p. 264).
O escravo era devedor de tudo para o senhor, era necessário que lhe desse mais que benefícios materiais, ou de trabalho, tivesse-lhe de dar quase que a vida, a mercadoria, ou melhor, sua força de trabalho não era suficiente.
O senhor tendo a suposta posse de seu escravo, deve cuidá-lo e manter suas disposições não partir para a conotação de deixá-lo de lado ou não lhe prestar a devida assistência, quando tomado por motivos à posse deve, portanto cuidar do que possui dando-lhe a alimentação, roupa, a própria perda da propriedade seria um prejuízo, dessa forma entraria a questão até onde à escravidão é válida, se quando se tem o escravo o possuidor deve manter suas necessidades fisiológicas e quando o trabalho é assalariado teria apenas que manter o pagamento do valor estipulado ao trabalhador. “Cláudio ordenou que os escravos que tivessem sido abandonados por seus senhores quando estavam doentes seriam livres se fugissem. Esta lei garantia sua liberdade; teria sido preciso que garantisse sua vida” (MONTESQUIEU, 1996, p. 266). A não assistencialização para o escravo levaria a um desregramento da posse do senhor isso ao que Montesquieu entende na Roma antiga.
A lei de Moisés era muito rude: “Se alguém bater em seu escravo e este morrer sob sua mão, será punido; mas, se sobreviver um dia ou dois, não o será, porque se trata de seu dinheiro”. Que povo era aquele, em que era preciso que a lei civil se distanciasse da lei natural. (MONTESQUIEU, 1996, p. 266).
Outro exemplo de religiosidade darwinista se justifica até mesmo pela Bíblia, na Gênesis, Noé que era lavrador, plantando uma vinha, e bebendo-a acabou nu em um seleiro, Noé possuía três filhos, Cão, Sem e Jafé, Cão vendo o pai bêbado e nu, acabou falando a Sem e Jafé, dentro da tradição judaica um filho jamais pode ver um pai nu, então Sem e Jafé de costas colocarão um manto em Noé. Este sabendo do acontecido e do comentário de Cão lançou a maldição sobre todos os discípulos de Canaã, que viria a ser filho de Cão, que este seria escravizado pelos discípulos de Sem e Jafé. Assim, a justificativa dos negros terem sido escravizados por tanto tempo, pois Cão representava povos de cor.
Montesquieu trabalha muito com a escravidão romana. Cita que entre os gregos o escravo que fosse mal tratado por seu senhor seria vendido para outro o que nos últimos anos em Roma também se produziram uma lei parecida. “Um senhor irritado contra seu escravo e um escravo irritado contra seu senhor devem ser separados” (MONTESQUIEU, 1996, p. 266). Logo, o estado comandava as relações senhor – escravo, não havia uma autonomia para o senhor decidir o futuro ou mesmo o que fazer para seu escravo.
Podemos perceber que no governo republicano, quando se têm muito escravos, é preciso alforriar muitos escravos, é preciso alforriar muitos. O mal está em que, se se têm muitos escravos, eles não podem ser contidos; se se têm libertos demais, eles não podem viver e se tornar um peso para a republica: além de que esta pode também estar em perigo devido a um numero muito grande de escravos e devido a um numero muito grande de libertos. Logo, é preciso que as leis estejam atentas a estes dois inconvenientes. (MONTESQUIEU, 1996, p. 267).       
Assim, Montesquieu define que é necessário que a república mantenha-se em continuo fluxo de intermediações, saiba controlar o número de libertos como o número de escravos. 
Fonte:www.consciencia.org

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