Filosofia Circular

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A tragédia do homem moderno




 
 O poeta, ensaísta e político tcheco Václav Havel (1936-2011), o último presidente da Tchecoslováquia e o primeiro presidente da República Tcheca, foi um dissidente do movimento comunista e um autor de peso contra o totalitarismo, mas foi acima de tudo um pensador e visionário  que estava interessado no amplo significado da vida humana. Como disse o jornalista Erich Follat, da revista Spiegel, “um homem que discute Deus e o mundo com o dramaturgo Tom Stoppard e o Dalai Lama e pode conversar com Frank Zappa e Mick Jagger é tudo menos um político de carreira convencional”. Nas frases selecionadas abaixo, Václav Havel mostra sua preocupação, visão e ativismo humanista e político sobre o homem e sua vida, principalmente sobre os aspectos contemporâneos de existência em sociedade, e inspira sucessores e a geração atual com sentimentos magnânimos, a inquietação reformista e a missão de elevar o destino do ser humano.
- “A tragédia do homem moderno não é que ele sabe cada vez menos sobre o significado da sua própria vida, mas que ele se preocupa cada vez menos.” (Cartas a Olga, 1988)
- “Quanto mais profunda é a experiência de ausência de significado – em outras palavras, de absurdo – mais energicamente o significado será buscado”. (“Disturbing the Peace”, 1986)
- “Continuamos sob o domínio da crença fútil e destrutiva de que o homem é o ápice da criação, e não apenas uma parte dela, e que, assim sendo, tudo lhe é permitido… Somos incapazes de compreender que o único sustentáculo genuíno de nossas ações – se elas forem morais – é a responsabilidade. A responsabilidade para com algo maior que a família, o país, a empresa ou o sucesso. A responsabilidade para com a própria essência do Ser, onde todas nossas ações estão indelevelmente gravadas e serão, apenas ali, corretamente julgadas.” (Discurso no Congresso dos Estados Unidos, em “Vampiro: A máscara”.
- “Não há diretrizes. Provavelmente não há nenhuma diretriz. A única coisa que recomendo nessa fase é senso de humor, uma habilidade para ver as coisas em suas dimensões ridículas e absurdas, a rir dos outros e de nós mesmos, um senso de ironia a respeito de tudo que pede paróida neste mundo. Em outras palavras, só posso recomendar perspectiva  e distanciamento. Atenção aos perigos maiores da vaidade e presunção, nos outros e em nós mesmos. Uma boa mente. Uma certeza modesta sobre o significado das coisas. Gratidão pela dádiva da vida e a coragem de assumir a responsabilidade por ela. Vigilância de espírito.” (discurso na Central European University, 1999)
- “Aqueles que dizem que indivíduos não são capazes de mudar nada estão apenas buscando desculpas”. (Anistia Internacional, 2011)
Fonte:  www.dharmalog.com

domingo, 27 de janeiro de 2013

A filosofia da alcova

 
 A Filosofia na Alcova, de subtítulo Diálogos destinados à educação de jovens meninas, é um livro que apresenta de forma interessante e teatral os principais pensamentos filosóficos de Marquês de Sade, além de uma introdução às perversões sexuais que concebeu. é, portanto, uma boa recomendação para quem nunca leu Sade. você certamente ficará chocado com muitas coisas - mas nada comparado à leitura de Os 120 Dias de Sodoma, ao final do qual eu duvido que mais de 1% da população tenha estômago para chegar.
não, Marquês de Sade não é só putaria, como diz muita gente por aí (as quais, por coincidência, não leram os livros dele). é um filósofo importante, estudado pelo principais pensadores que vieram depois dele.

a história narra a educação erótica e filosófica de uma menina de 15 anos, Eugénie, a qual Madame de Saint-Ange e o seu irmão, o cavaleiro Mirval, vão iniciar a todas as facetas da luxúria e da liberdade de espírito, ajudados pelo sodomita Dolmancé e pelo jardineiro Augustin. é composto sob a forma de sete diálogos, entrecortados de discursos sobre liberdade, religião, política e moral.

a reflexão libertina exposta por Sade parte do princípio que a Natureza rege todo o Universo e que Deus não existe fora do espírito dos homens. o autor faz verdadeira apologia à Religião de Dionísio, pregada por nós da Sociedade Dionisíaca, quando diz, referindo-se ao paganismo romano, "Uma vez que acreditamos que um culto é necessário, imitemos o dos romanos".

sendo a Natureza o único motor do mundo, tudo que segue seus princípios é por ela legitimada. o sexo, o egoísmo e a violência são, além de encontrados na Natureza, manifestações da Natureza no homem e, por isso, podem ser ditas Naturais, portanto além do bem e do mal. com efeito, essas construções morais (o bem e o mal) estão em foco nessa argumentação: uma vez que não existem na Natureza, não podem ser tomados como fundamento de nossas ações. a Natureza deve ser nosso único modelo.

a reflexão exposta serve aos personagens libertinos para legitimar todos os seus desejos, em particular os seus desejos sexuais.

a partir desse princípio, a sociedade perde todos os seus direitos. suas regras e leis vêm para reprimir nossos impulsos naturais: vão contra a Natureza e são, portanto, intoleráveis.

"É uma terrível injustiça exigir que homens de personalidades diferentes se curvem a leis iguais: o que é natural para um não o é para outro".

a lógica libertina é tão lasciva, no sentido mais cruel da palavra, que somos levados a questionar as verdadeiras intenções de Sade. será que ele procurou sinceramente promover o naturalismo libertino? certamente ele não gostaria que o seu pensamento fosse adotado por todos, pois nesse caso seria vítima de suas próprias infâmias... 
Fonte: www.sociedadedionisiaca.blogspot.com.br

domingo, 13 de janeiro de 2013

Cândido ou o Otimismo


 
 Cândido ou O Otimismo é uma obra literária do filósofo Voltaire. Não é, portanto, uma obra filosófica, ou seja, não possui os procedimentos próprios a um escrito filosófico. Nesta obra de Voltaire, a argumentação racional é substituída pela narrativa. Isto significa que para se compreender esta obra é necessário entender, inicialmente, a linguagem literária. Portanto, torna-se necessário apresentar alguns apontamentos que facilitem a compreensão da linguagem literária, sem, obviamente, pretender apresentar, neste curto espaço, uma teoria da literatura. Partiremos dos pressupostos da teoria marxista da literatura. Tal teoria tem como pressuposto básico a indissolubilidade da relação entre literatura e sociedade. A inteligibilidade da obra literária é impossível de ser conquistada sem a conquista anterior da inteligibilidade da sociedade onde ela é produzida. Neste sentido, o estudo de uma obra literária deve ser precedida pelo estudo da sociedade que a produz. A sociedade, entretanto, não é um todo homogêneo e orgânico, tal como coloca a ideologia funcionalista. Ela é uma totalidade concreta que se caracteriza pelo movimento contraditório de suas partes. A contradição social se revela, fundamentalmente, como contradição de classes. Pode-se dizer, a partir destas colocações, que uma obra literária é expressão de valores, interesses e cultura de uma ou outra classe social específica. Neste momento, pode-se denunciar o “marxismo dogmático” e defender a “autonomia das idéias”, aliás, tal como muitos fizeram (Fortes, 1985; Falcon, 1986). A refutação da análise marxista se dá, além da rotulação de “dogmatismo”, através da defesa da “autonomia das idéias” (Fortes, 1985) ou da demonstração do “absurdo” que é qualificar os pensadores do iluminismo como “advogados conscientes” da burguesia. Há, nestas colocações, um desconhecimento da teoria marxista ou então sua redução ao chamado “marxismo vulgar”. A tese da “autonomia das idéias” só pode ser aceita como sendo uma “autonomia relativa”, pois, há muito tempo, Marx (1983) e Freud (1978), um se referindo a determinação social e o outro a determinação individual do pensamento, demoliram o castelo positivista da neutralidade e da objetividade. Quanto a afirmação de que é absurdo pensar que os filósofos do iluminismo seriam “advogados conscientes” da burguesia, ela só pode ser feita desconhecendo-se a teoria marxista da ideologia. Um pensador pode ser ideólogo de uma classe social intencionalmente ou inintencionalmente (ou para utilizar terminologia equivocada de Falcon, “conscientemente” ou “inconscientemente”). O que define se alguém é ideólogo de uma classe social específica não é a sua intencionalidade e sim a coincidência de suas idéias com os valores e interesses desta classe. Estas críticas ao marxismo desconhecem não só a relação entre ideólogo/classe como também a relação entre indivíduo/classe. Um indivíduo tende a representar os interesses e valores de sua própria classe, mas isto não ocorre necessariamente em todos os casos (aliás, é aí que se revela a autonomia relativa das idéias, expressa nos indivíduos que as produzem). É justamente por isto que o filósofo D’ Holbach (que, segundo Fortes é um nobre e segundo Falcon é um burguês...) pode ser um ideólogo da burguesia independentemente de pertencer ou não a burguesia. As razões disto só podem ser reveladas através da análise do processo histórico de vida de tal indivíduo (Marx, 1986; Viana, 1995). Portanto, a definição de Voltaire como ideólogo da burguesia não pode ser feita a priori, pois é necessário anteriormente ver a relação de coincidência ou não entre suas idéias e os valores, interesses e cultura da burguesia. A simples constatação de coincidência, por sua vez, não possui valor explicativo. Para entender as idéias de Voltaire é necessário não só ver qual classe social ele representa, mas também ver quais são as tarefas políticas e sociais do pensamento de tal classe no momento histórico em que ele é produzido e assim buscar compreender o pensador e suas idéias. Logo, torna-se necessário compreender o “mundo de Voltaire” para entender suas idéias e assim poder analisar melhor sua obra literária e desta forma ter acesso ao “mundo de Cândido”. O MUNDO DE VOLTAIRE A sociedade francesa do século XVIII se caracteriza pela transformação social que marca a transição do feudalismo para o capitalismo. A ascensão de novas classes sociais ocorre com a simultânea decadência das “três ordens”, dos feudos, da produção de valores de uso, da ruralidade que se desestrutura e em seu lugar emerge uma sociedade cada vez mais urbana, comercial, industrial. Segundo palavras de um historiador, “o renascimento do comércio e o desenvolvimento da produção artesanal, tinham, não obstante, criado, desde os séculos X e XI, uma nova forma de riqueza, a riqueza mobiliária e, através dela, dado nascimento a uma nova classe, a burguesia, cuja admissão aos Estados Gerais, desde o século XIV, lhe consagrara a importância. No quadro da sociedade feudal, ela dera prosseguimento ao seu impulso ao próprio ritmo do desenvolvimento do capitalismo, estimulado pelos grandes descobrimentos do século XV e XVI e pela exploração dos mundos coloniais, bem como pelas operações financeiras de uma monarquia sempre carente de dinheiro. No século XVIII, a burguesia estava à testa das finanças, do comércio, da indústria; fornecia à monarquia não só os quadros administrativos como também os recursos necessários à marcha do Estado. A aristocracia, cujo papel não tinha cessado de diminuir, permanecia ainda na primeira escala da hierarquia social: porém se esclerosava em casta, no momento mesmo em que a burguesia aumentava em número, em pode econômico, também em cultura e consciência. O progresso das luzes solapava os fundamentos ideológicos da ordem estabelecida, ao mesmo tempo que se afirmava a consciência de classe da burguesia. Sua boa consciência: classe em ascensão, acreditando no progresso, tinha a convicção de representar o interesse geral e de assumir o encargo da nação; classe progressiva, exercia uma triunfante atração sobre as massas populares como sobre os setores dissidentes da aristocracia. Contudo, a ambição burguesa, apoiada pela realidade social e econômica, se chocava com o espirito aristocrático das leis e das instituições” (Soubol, 1986, p. 9-10). A transformação social traz consigo a mudança cultural, moral e intelectual. Instaura-se o “século das luzes” e com ele o anti-clericalismo, a crença na razão humana e no progresso. Este é o século das luzes, do iluminismo, da ilustração. Quais os motivos que geraram esta terminologia? O iluminismo utiliza a metáfora das luzes porque se contrapõe à idade das trevas. Luzes versus trevas significa capitalismo versus feudalismo. O iluminismo se define como a negação positiva do passado. O século das luzes e da ascensão da burguesia vem para substituir a idade das trevas e da nobreza. Segundo Foucault: “seria sem dúvida um dos eixos interessantes para o estudo do século XVIII em geral, e mais particularmente da aufklarung [ilustração], questionar o seguinte fato: a aufklarung chamou a ela mesma aufklarung; ela é um processo cultural sem dúvida muito singular que tomou consciência dele próprio, denominando-se, situando-se com relação ao seu passado e a seu futuro, e designando as operações que ele deve efetuar no interior de seu próprio presente” (Foucault, 1984, p. 105-106). O que isto significa? Significa que o iluminismo busca superar o passado expresso no feudalismo e nas suas ideologias e, ao mesmo tempo, busca dar vida ao seu presente e afirmar um novo modo de produção, o capitalismo. O passado é o reino das trevas e o presente é o reino das luzes. A burguesia ao combater o passado demonstra sua face progressista, mas afirmar o seu projeto (esboçado no presente e que se pretende concretizar no futuro) apresenta a sua face conservadora. A burguesia não poderia superar a si mesma mas, ao afirmar seu projeto, ajudou a produzir uma classe social que poderia concretizar a sua superação: o proletariado. Voltaire estava envolvido por este mundo e o reproduzia. Assim como combatia a intolerância, o clericalismo, a propriedade feudal, também defendia algo: a razão, a tolerância, a liberdade e a propriedade burguesa. Segundo Della Volpe: “é verdade que a filosofia política e social de Voltaire é genericamente uma filosofia da liberdade e da igualdade burguesa e especificamente uma teoria dos direitos e deveres daqueles honnête homme, que é o homme éclaire ou intelectual burguês, que substitui, na função de elite, o honnete-homme-homme-de-qualité, ou seja, o aristocrata do ancien régime: donde a maior glória de Voltaire, a sua genial defesa da liberdade de pensamento e de consciência (...)” (Della Volpe, 1982, p. 103). O MUNDO DE CÂNDIDO A literatura se caracteriza pela utilização de uma linguagem simbólica, ou seja, o autor nunca diz o que quer dizer de forma direta, clara, objetiva. A metáfora, os exemplos, etc., são meios de se utilizar tal linguagem. Por isto, não se pode ler uma obra literária como se fosse um tratado político ou científico e não se deve tomar tudo ao pé da letra. O autor quer sempre transmitir uma mensagem e descobrir qual é a mensagem que Voltaire busca transmitir em Cândido ou o Otimismo é o nosso objetivo. É evidente que Voltaire usa a literatura para criticar os filósofos e artistas que ele repudia. A ridicularização da ideologia do “melhor dos mundos possíveis” de Leibniz é bastante fácil de se perceber. O filósofo Pangloss é a corporificação de Leibniz. Ele “lecionava metafísico-teólogo-cosmolonigologia” e era o preceptor dos filhos do Barão e do bastardo Cândido. Pangloss “provava admiravelmente que sem causa não há efeito, e que, neste melhor dos mundos possíveis, o castelo de monsenhor o Barão era o mais belo dos castelos, e a senhora baronesa a melhor das baronesas possíveis” (Voltaire, 1984, p. 26). Voltaire ironiza Pangloss: para este, as coisas não poderiam ser de outra maneira e tudo foi feito para um determinado fim. Os narizes foram feitos para apoio dos óculos, as pernas para o uso dos calções, os porcos para serem comidos, etc. Certo dia, a Srta. Cunegundes, filha do Barão, viu “o maior filósofo da província” (Pangloss) “entregue a uma lição de física experimental com a criada-grave de sua mãe” e “como tivesse acentuada propensão para as ciências, observou, de fôlego suspenso, as experiências reiteradas de que se fizera testemunha; percebeu muito às claras a razão suficiente do doutor, os efeitos e as causas, e afastou-se agitada, toda pensativa, toda cheia de desejo de ser sábia, calculando bem poder, também ela, ser a razão suficiente do pequeno Cândido, que poderia, por seu turno, ser a sua” (Voltaire, 1984, p. 27-28). O resultado disso é previsível: Cunegundes “encontrou-se com Cândido, ao voltar para o castelo, e enrubesceu: Cândido enrubesceu também. Deu-lhe bom-dia com voz entrecortada; Cândido respondeu-lhe sem saber o que dizia. No dia seguinte, depois do jantar, ao saírem da mesa, Cunegundes e Cândido se encontraram atrás de um biombo; Cunegundes deixou cair o lenço, Cândido apanhou; ela, inocentemente, segurou-lhe a mão, ao passo que, inocentemente, ele beijava a sua, com uma vivacidade, uma sensibilidade, uma graça toda particular; seus lábios se encontraram, seus olhos se incendiaram, os joelhos lhes tremeram, suas mãos perderam o rumo. O senhor Barão (...) passou perto do biombo, e, ao ver aquela causa e tal efeito, expulsou Cândido do castelo a violentos pontapés no traseiro; Cunegundes desmaiou; depois de retemperada, esbofeteou-a a senhora baronesa; e tudo foi consternação no mais belo e no mais agradável dos castelos possíveis” (Voltaire, 1984, p. 28). Cândido foi expulso do castelo. O que significa o castelo? Ele significa o mundo feudal, a idade das trevas. O Barão “era um dos mais poderosos suseranos da Vestfália”. A relação de vassalagem está presente e a separação entre nobres e plebeus proíbe a união entre Cunegundes e Cândido. Assim, Voltaire critica, ao mesmo tempo, a injustiça que reina no castelo e a ideologia que afirma ser este o “melhor dos mundos possíveis”. Mas a sociedade de transição que cerca o castelo também não é o melhor dos mundos possíveis. No decorrer da narrativa se desenrola uma série de catástrofes que se abate sobre os indivíduos (Cândido, Pangloss, Cunegundes, etc.) e sobre as sociedades (guerras, terremotos). Assim, torna-se questionável a filosofia de Pangloss, o otimismo. Mas a viagem ao novo mundo significa que, através de Cândido, Voltaire muda o foco de sua crítica. O objeto da crítica passa a ser Rosseau. O “homem selvagem”, bom por natureza, é questionado. O “mito do bom selvagem” é destruído através de duas constatações: em primeiro lugar, o mundo novo já foi corrompido pelos europeus (espanhóis, portugueses, jesuítas, etc.) e não existe mais nenhum “estado de natureza” no continente americano; em segundo lugar, o homem em seu estado natural não é necessariamente bom, como demonstra os selvagens chamados “orelhões”. Eles confundem Cândido e seu companheiro Cacambo com jesuítas e querem comê-los. Cândido afirma: “vamos certamente ser assados ou cozidos. Ah! Que diria mestre Pangloss, se visse a pura natureza?” (Voltaire, 1984, p. 76). A “pura natureza” convive com o canibalismo, o principal argumento existente contra a bondade natural dos selvagens. Porém, um filósofo das luzes não poderia sustentar que o homem no seu estado natural seja mal. O homem não é bom e nem mau por natureza. É através da razão que ele se humaniza. Por isso, emerge no interior do novo mundo um lugar onde os selvagens (os não-europeus) são bons e civilizados: o Eldorado. Neste país estranho, onde se despreza o ouro e não tem igreja e monges, vive-se na harmonia e na paz. Entretanto, Cândido e Cacambo chegam neste lugar por acaso e levados pela correnteza incontrolável de um rio. Os príncipes, no passado, ordenaram, com o consentimento da nação, que nenhum habitante pudesse sair do reino. Segundo o rei: “foi isto que nos conservou a inocência e a felicidade” (Voltaire, 1984, p. 83). Portanto, chegar em Eldorado é quase impossível e tal reino se mantém puro porque os estrangeiros não conseguem chegar até lá e os habitantes não querem sair de lá. Mesmo se quisessem, a saída é bastante difícil. Segundo o rei: “é impossível subir a correnteza que aqui vos trouxe por milagre, sob arcadas de rochedos. As montanhas que circundam meu reino têm de altura dez mil pés, e são retas como muralhas: elas ocupam, de largura, cada uma, um espaço de mais de dez léguas; não se pode descer senão por precipícios” (Voltaire, 1984, p. 86). Entretanto, o bondoso rei manda construir uma máquina engenhosa para transportar os dois estrangeiros. O Eldorado só continua existindo graças ao seu isolamento. É difícil para um estrangeiro viver em tal lugar, apesar de suas vantagens. Por isto, Cândido e Cacambo resolvem partir e isto significa que o Eldorado não é o nosso mundo e nem foi feito para nós. O “paraíso terrestre” é um lugar que nos impede de amar (Cândido) e de aventurar-se pelo mundo (Cacambo), significa, portanto, um retorno ao “paraíso celeste”, retorno impossível após se comer o fruto da árvore do conhecimento. Depois de muitas outras catástrofes, Cândido retorna à Europa. Passam pela França, Inglaterra e chegam à Veneza. Lá encontram seis reis destronados. Cândido afirma: “eis aí, todavia, seis reis destronados com quem vimos de cear! E ainda entre eles há um a quem dei esmola. É possível existirem muitos outros príncipes ainda mais desventurados”(Voltaire, 1984, p. 124). Isto significa, ao mesmo tempo, a decadência da nobreza provocada pela artificialidade da forma como ela conquista suas riquezas e a mudança na relação entre um nobre e um plebeu, pois, hoje, é o último que dá esmola ao primeiro. Cândido acaba chegando a Constantinopla. Lá estão juntos Cândido, Pangloss, Cunegundes e outros companheiros de aventuras. O reencontro com Cunegundes é surpreendente, pois ela havia perdido sua beleza, mas, mesmo assim, Cândido manteria sua promessa de casamento. Entretanto, ele encontraria a oposição do filho do Barão e irmão de Cunegundes. Apesar de não ter o mínimo desejo de casar, Cândido estava determinado, devido a impertinência do Barão, a concluir sua promessa. Logo se desfizeram do Barão e assim puniram “o orgulho de um Barão alemão”. Aqui, novamente, se vê a oposição entre a nobreza (e o mundo feudal e das trevas que ela representa) e o mundo dos plebeus, do “terceiro estado”, da burguesia nascente. O final da obra é um elogio a vida burguesa. Depois de se encontrarem com um velho que cultivava o seu jardim e produzia sua própria riqueza através do trabalho, Cândido e seus amigos resolvem fazer o mesmo. Segundo o velho: “o trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade” (Voltaire, 1984, p. 136). Cândido diz que o velho conseguiu uma vida preferível à dos seis reis destronados, ou seja, mais uma vez se opõe nobreza e burguesia. Assim, todos se colocam a trabalhar na granja de Cândido e a “fazendola rendeu muito”. O filósofo Pangloss diz: “todos os acontecimentos se encadeiam no melhor dos mundos possíveis; porque, afinal, se não tivésseis sido expulso de um belo castelo a grandes pontapés no traseiro, por amor da senhorinha Cunegundes; se não tivésseis ido parar em mãos da inquisição; se não tivésseis percorrido a América, a pé; se não tivésseis assestado uma boa espadada no Barão; se não tivésseis perdidos vossos carneiros da boa terra de Eldorado; não estaríeis agora comendo confeitos de cidra e pistachas” (Voltaire, 1984, p. 137). Cândido respondia que é preciso trabalhar. Vê-se, portanto, que a granja e o trabalho representam a propriedade burguesa. O trabalho é que justifica a propriedade. Voltaire, leitor e admirador de Locke, concordava com este na relação que ele via entre propriedade e trabalho. A granja é apenas um símbolo da propriedade burguesa e, portanto, não expressa nenhuma “utopia pequeno-burguesa”[1]. A concepção de Voltaire é parecida com a de Locke (1978): o “estado de natureza” não era tão ruim como Hobbes supunha, pois a instituição do “estado social” e da propriedade burguesa é realizada para vivermos “melhor”[2]. Aliás, no final da narrativa de Cândido ou o Otimismo, vemos uma inversão: é o mundo da granja, o mundo das luzes e da burguesia, que é o “melhor dos mundos possíveis”. Leibniz é o Pangloss do feudalismo e Voltaire é o Pangloss do capitalismo. O primeiro Pangloss é um ideólogo da nobreza e o segundo é o ideólogo da burguesia. A granja não significa retorno à pequena propriedade (pois ela é símbolo da propriedade burguesa) e nem é uma “utopia pequeno-burguesa”, sendo, na verdade, uma ideologia (inversão da realidade) burguesa. O mundo burguês torna-se o “melhor dos mundos possíveis”. No final da narrativa, Voltaire abandona a crítica da nobreza para fazer a apologia da burguesia. Em síntese, podemos dizer que Cândido ou o Otimismo não é uma crítica ao otimismo, mas uma crítica ao otimismo da nobreza. No seu lugar instaura o otimismo das luzes. O objetivo de Voltaire é contrapor o século das luzes à idade das trevas e demonstrar a superioridade do primeiro. E nós, herdeiros do iluminismo, continuamos otimistas e vivendo no “melhor dos mundos possíveis”. 
Fonte:  www.informecritica.blogspot.com.br

sábado, 5 de janeiro de 2013

Padre Manfredo Oliveira

 


Padre Manfredo Oliveira, a maior referência no Ceará no campo da filosofia, diz que filósofos brasileiros não se lêem mutuamente e que a disciplina sofre uma crise de influência numa época de muitas publicações

É um contrasenso, mas a filosofia está passando por uma grande crise de influência justamente em uma época em que nunca houve tanta publicação filosófica, tanto congresso, tanta reunião. O padre Manfredo Oliveira, filósofo que virou referência cearense, respeitado no Brasil e no exterior, afirma que a área a qual sempre se dedicou talvez tenha uma certa culpa nesse processo de enfraquecimento. "Certas tendências da filosofia contemporânea se recusam a dar uma palavra a respeito do sentido das construções humanas no mundo, como sendo isso fora da racionalidade", analisa.

Manfredo diz que o Brasil está numa situação relativamente boa em relação à filosofia. Involuntariamente, a ditadura militar forçou uma especialização nos filósofos brasileiros - forçados, na época, a deixar o país. O problema, diz ele, é o descaso com que os filósofos se tratam no Brasil. "Eles não discutem entre si, não se lêem mutuamente", afirma Manfredo. De certa forma, garante, isso tem melhorado diante da articulação de congressos filosóficos.

Nesta entrevista ao Sábado, Manfredo Oliveira fala dos temas que estão dominando os debates filosóficos atualmente, da ética e da relação entre religião e filosofia.

Sábado - Como nasceu a Filosofia? O que é filosofar?

Manfredo Oliveira - A Filosofia nasceu das perguntas que o ser humano faz a respeito de sua vida. De onde é que eu vim, para onde é que eu vou, qual é o sentido disso que eu estou fazendo aqui, que compreensão eu posso ter de todo o conjunto da realidade na qual estou situado. É o esforço de encontrar chaves fundamentais de leitura de toda a realidade. O que estou chamando de chaves fundamentais de leitura, os primeiros filósofos chamavam de princípios ou fundamentos de todas as coisas.

Sábado - O senhor possui resposta para alguma dessas questões fundamentais?

Manfredo - A humanidade está passando nos últimos anos por mudanças muito profundas. A economia, a organização da sociedade, o questionamento de todo o processo civilizatório da modernidade. Você pode perguntar, o filósofo, a partir de sua filosofia, teria um programa para apresentar à humanidade? Eu diria: Não. Um programa de ação concreto implica também filosofia, pressupostos, que visão eu tenho do universo, do ser humano, da natureza. Dependendo disso é que vou programar minha relação com a natureza, as relações dos seres humanos entre si. Agora, um programa concreto pressupõe, além desses fundamentos, conhecimentos detalhados da realidade que não são mais da competência dos filósofos, mas da competência dos cientistas e das pessoas comuns. A Filosofia não pode ter a pretensão de esgotar todas as esferas do saber humano. Embora ela dê conta da totalidade, ela dá conta só de uma perspectiva, sobre um aspecto, que é o aspecto dos pressupostos. Ela não pode dar conta de detalhes.

Sábado - Quais são os principais temas sobre os quais as discussões filosóficas estão se atendo?

Manfredo - Nós estamos vivendo um momento chamado de reabilitação da ética por causa de uma conjuntura muito específica no nosso processo civilizatório. A modernidade fez avanços fantásticos na esfera do domínio do homem sobre a natureza. Ela juntou ciência, técnica e economia de mercado capitalista e construiu uma civilização que tem, sem dúvida alguma, coisas fantásticas no sentido de que abriu possibilidades de domínio técnico sobre o mundo que é estupendo. Por outro lado, atrofiou, como não pertencendo à esfera da racionalidade, as questões éticas. Então hoje há uma grande reabilitação daquilo que eu chamaria a dimensão da normatividade na vida humana. Ou seja, se perguntar simplesmente não o que eu posso fazer, mas o que devo fazer. Por exemplo, qual é o sentido desse projeto de manipulação universal da natureza? O movimento ecológico, cada vez mais, nos chama a atenção para limites insustentáveis nesse momento. Então isso levanta questões de fundo, que não são só questões da natureza, mas da vida enquanto tal. Obriga a Filosofia a repensar todas as suas questões.

Sábado - Então, a ética está tendo um lugar especial neste contexto?

Manfredo - Sim, principalmente por causa dessa conjuntura que atrofiou a ética. Quando se pensa no problema da ética, não é só a partir da questão da natureza, da possibilidade de destruição da vida, mas muito fortemente também entra a questão do sentido da convivência humana. Nós sabemos que vivemos num mundo simplesmente enlouquecido. Uma sociedade que é capaz de fazer progressos tecnológicos gigantescos e tem milhões de pessoas completamente fora do acesso aos bens primários da vida. Com a própria vida humana ameaçada, a questão da convivência social, do sentido ético da política, como é que você vai pensar as relações entre os diversos países que ainda existem como Estados nacionais, mas existem numa disparidade gigantesca, tanto do ponto de vista econômico como cultural.

Sábado - De que maneira essa questão desafia a Filosofia?

Manfredo - Essas questões desafiam profundamente a reflexão filosófica no sentido de nos perguntar quais deveriam ser os princípios éticos básicos para regular e organizar uma sociedade humana que se possa dizer minimamente racional, que não se reduza a uma racionalidade tecnológica, mas que diga respeito também ao sentido mesmo da vida humana na sua integralidade. Como pensar essas relações universais entre povos em diferentes níveis de desenvolvimento, em diferentes níveis culturais, e até dentro da própria Nação. É o caso do Brasil, que é dividido em dois, pelo menos. Uma parte dele que se encontra cada vez mais ligada, econômica e culturalmente, ao Primeiro Mundo, e a grande maioria que está fora desses padrões civilizatórios.

Sábado - Qual é a influência da Filosofia nesse processo?

Manfredo - Do ponto de vista puramente factual, acho que estamos passando por uma grande crise da influência da Filosofia. Cada vez mais, em todos os níveis da vida humana, há um processo de cientificação da vida. Para a ciência contemporânea, a Filosofia não significa mais o que significou no passado. Há uma situação meio paradoxal. Por um lado, talvez nunca houve na história da humanidade tanta publicação filosófica, tanto congresso, tanta reunião. Mas se você olha a influência que a Filosofia tem nessas grandes questões...

Sábado - Por que isso acontece?

Manfredo - De certa forma, a Filosofia também é culpada disso. Certas tendências da Filosofia contemporânea se tornaram incapazes de dizer uma palavra séria em relação a essas questões fundamentais. Há tipos de Filosofia hoje que se reduzem, por exemplo, a estudar os fundamentos puramente lógicos, ou da linguagem do nosso conhecimento do mundo, e se recusam a dar uma palavra a respeito do sentido das construções humanas no mundo como sendo isso fora da racionalidade. Por um lado, a própria Filosofia tem culpa por não ter mais a importância que deveria ter no contexto da sociedade contemporânea, mas por outro isso é decorrência da própria forma de racionalidade que é hegemônica no nosso mundo, que não apela à Filosofia.

Sábado - A Filosofia não é valorizada como deveria?

Manfredo - Acho que a Filosofia se tornou hoje quase que insignificante. No entanto, é o espaço que o ser humano tem, numa sociedade que não é mais religiosa. Veja bem, em uma sociedade anterior a nós, onde a religião articulava o sentido global para a vida humana e a religião era praticamente compartilhada pelas diversas pessoas na sociedade, você tinha um rumo de sentido. Onde é que essas questões últimas e fundamentais da vida humana podem ser debatidas, discutidas, articuladas e pensadas? Exatamente na Filosofia. Portanto, se a Filosofia hoje não tem uma significação muito grande na vida humana, isso é muito grave. O homem está carecendo de uma instância onde ele possa articular de uma forma sistemática essas questões básicas da sua vida.

Sábado - Essa falta de importância da Filosofia não é um contrasenso diante da popularização que ela vem tendo de uns anos para cá?

Manfredo - Veja bem, isso aí também é uma certa produção da mídia. Basta ver, por exemplo, um pensador como o alemão Jürgen Habermas, que publica um livro e amanhã o livro está quase esgotado. Agora, o que existe de mídia também por trás disso... Nós hoje vivemos em uma sociedade bastante complicada, a questão do peso fundamental da informação. Talvez nunca na história da humanidade nós tivemos tanta informação como temos hoje, mas há o perigo de estarmos perdidos numa floresta, num mar imenso de informações e não termos um mínimo de senso dos princípios, das articulações fundamentais, das estruturas fundamentais da vida. Inclusive hoje, para um filósofo, existe essa questão, que tipo de informação eu vou ter? Não posso ter todas. O filósofo tem que se alimentar também de tudo aquilo que as ciências dizem, ele tem que se deixar questionar porque vai exatamente tentar articular os princípios e fundamentos que essas ciências dizem, e precisaria minimamente conhecer essas coisas. Nisso a mídia tem um papel muito grande. Ela vulgariza os conhecimentos científicos, levou a milhões de pessoas coisas que antigamente eram limitadas a determinados grupos de pesquisadores.

Sábado - O senhor tem Mestrado em Teologia e Doutorado em Filosofia. Teologia é o estudo das doutrinas cristãs. Na religião católica, é necessário ter fé para acreditar nos dogmas. A Filosofia busca racionalizar as questões e busca respostas para questões fundamentais. Essas duas ciências possuem afinidades?

Manfredo - Para mim, em última instância, Filosofia é Teologia. Aquilo que os filósofos chamam absoluto é aquilo que as religiões chamam Deus. De entrada, as diferentes confissões religiosas são formas específicas de articular o relacionamento dos seres humanos com aquilo que é o objeto fundamental do trabalho do filósofo, que é o absoluto. Eu não vejo propriamente que a religião pudesse ter coisas irracionais. A religião não pode se contrapor às verdades fundamentais da razão.

Sábado - Algum filósofo discutiu essa relação entre religião e Filosofia?

Manfredo - Esse é um dos problemas básicos de um grande pensador atual, o Habermas. Ele considera a religião como uma etapa importantíssima na evolução da humanidade. Especificamente no cristianismo, foi articulada uma ética que é fundamental para a vida humana. Qual é a ética da religião cristã? A ética da solidariedade, da fraternidade universal, do respeito radical ao ser humano e o respeito relativo à natureza. Essas coisas são indispensáveis para a vida humana, diz ele. Tenha ou não tenha fé, tenho que assumir a partir da razão de uma ética do respeito radical ao ser humano, por exemplo. Agora, diz ele, a religião não argumenta e quando não argumenta, não tem mais lugar na sociedade moderna. Quer dizer, a religião seria, por natureza, dogmática. Eu não acho que é essa a concepção de religião. Religião é a atitude de uma opção livre. Não sou obrigado a reconhecer, por exemplo, em Jesus de Nazaré, uma manifestação especial do absoluto. Eu não sou obrigado a isso. Eu sou convidado, mas não a aceitar alguma coisa irracional. Só posso aceitar, como ser humano, Jesus de Nazaré, como a expressão do absoluto, se descobrir aqui algo que não se contrapõe à minha razão, mas algo que expande, amplia.

Sábado - Como está o Brasil no contexto das discussões filosóficas?

Manfredo - Creio que o Brasil está numa situação relativamente boa em relação à Filosofia. A ditadura militar, contra a sua vontade, terminou contribuindo para modificar substancialmente a situação dos filósofos. Ela expulsou boa parte deles. Eles ficaram estudando e, quando voltaram, estavam filósofos de altíssimo nível. Agora, nós temos um problema muito grave. Não temos uma opinião pública filosófica. Os filósofos não discutem entre si, não se lêem mutuamente. Os diferentes grupos filosóficos brasileiros são ligados a grupos do exterior. É uma coisa impressionante. Não acho normal, por exemplo, que eu publique um livro no Brasil, alguém faça uma recensão desse livro na Europa e não saia nenhuma recensão no Brasil. A gente nota, pelo próprio espírito dos filósofos, que eles não conhecem as coisas publicadas no Brasil. Acho atitude de subdesenvolvido. Agora as coisas estão melhorando, estão sendo organizados congressos. É uma excelente oportunidade para debater. Eu acho que poderia haver muito mais se os filósofos se conhecessem, se lessem.

Sábado - Entre todas as questões debatidas na Filosofia, alguma lhe interessa mais?

Manfredo - Os problemas e desafios da civilização moderna, a partir do movimento ecológico, da física quântica, as questões das desigualdades sociais, hoje a nível global, a tragédia do apartado no Brasil são questões que desafiam fundamentalmente a Filosofia hoje. Essas questões éticas pressupõem aquilo que chamo as questões últimas, ou seja, o sentido global da vida. Vou tomar uma posição específica em relação à ecologia, à natureza, ao ser humano, dependendo do sentido global que tenho de vida. Para mim, a Filosofia tem um cerne, uma disciplina fundamental onde se tenta articular o sentido global de tudo e a partir daí você pode enfrentar as diversas questões específicas, dentre as quais ponho hoje as questões da crise ecológica e da crise social. 
Fonte: www.opovo.com.br

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Ter ou ser?


 
 A questão entre ter ou ser desencadeou discussões interessantes, especialmente da modernidade em diante. Antes da revolução científica dos modernos, era muito claro, ao menos filosoficamente, que ser importava muito mais do que ter, visto que a vida humana na Terra era considerada uma mera passagem sem importância, pois o que realmente importava era o além mundo, quer seja o Hiperurânio de Platão, quer seja o Paraíso dos cristãos medievais. Mas, na renascença, o problema começa a surgir, pois de transcendente a vida do homem, e tudo aquilo que lhe implica, passa a ter caráter imanente. O avanço das ciências naturais e a decadência da Igreja contribuem para o nascimento dessa nova visão de mundo. Mas não só isso. Para Gerd Bornheim, o que ele denomina de “projeto burguês” teve também a sua contribuição para esse fato, ao dar ênfase a certos aspectos que culminaram com o consumismo capitalista que vemos hoje. Para Bornheim o projeto burguês se caracteriza em 7 aspectos principais: A autonomia do sujeito; A valorização do trabalho; Defesa da propriedade privada; A formação do capitalismo, e o dinheiro promovido à fim em si mesmo; O conhecimento humano como uma forma de poder; A liberdade, ficando o homem como senhor de si mesmo; O contrato social, e a norma transformando-se em convenção social. Por essas características destacadas, podemos notar que todas elas servem para fundamentar e suportar a ascensão econômica burguesa, que precisava de homens não tão ligados com fatores espirituais, desprezadores do corpo e da matéria, para poderem vender seus produtos e fazer o capitalismo progredir. Nas palavras do autor: “Percebe-se que tudo é feito para alicerçar de maneira mais sólida possível a autonomia do homem burguês”. É aí, então, que soma-se ao cenário o ateísmo e o individualismo. A questão já toma corpo com o nominalismo, na Idade Média, especialmente com Guilherme de Ockham (1280/90-1349), onde “a perspectiva começa a inverter-se e passa ser possível afirmar que a existência precede a essência, pois o que conta agora é realmente o indivíduo concreto”. O indivíduo toma o lugar do divino, o imanente toma o lugar do transcendente. E temos então aquilo que chamamos de materialismo, a doutrina que acredita apenas na existência do que é físico, material, descartando qualquer coisa que tenha referências metafísicas. É claro que, na dicotomia ter e ser, estamos falando de um materialismo específico que, querendo ou não, nasce ou acentua-se à partir do projeto burguês citado por Bornheim. É o materialismo econômico, estudado por Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920), entre outros, onde a ênfase é dada às posses materiais, e não à qualquer outra coisa. O materialismo econômico vai encontrar grande campo para semear-se na América do Norte, especialmente após William James (1842-1910) teorizar a corrente pragmática, cujas maiores influências abateu-se exatamente sobre a economia. E com o desenvolvimento do próprio capitalismo selvagem, do neo-liberalismo e das ciências naturais, colocando o homem no centro de tudo, a contemporaneidade passa a ser terreno cada vez mais fértil para o enraizamento do materialismo econômico. Com essa postura econômica, consequentemente outro fenômeno acontece: "O pós-modernismo faz a opção pela contingência. E, com ela, opta pelo fragmentado, efêmero, volátil, fugaz, pelo acidental e pelo descentrado, pelo presente sem passado e sem futuro, pelos micropoderes, microdesejos, microtextos, pelos signos sem significação que se torna, assim, a definição e o modo da liberdade." (Marilena Chauí) Assim, vivemos numa sociedade materialista economicamente (com os outros tipos materialismos estando ligados, necessariamente, à este), onde tudo virou um produto descartável, onde o que vende mais hoje, amanhã já não tem nenhum valor; onde o ser deixa de ser importante, pois denota um centro, um norte, um ponto fixo, que não mais vigora em nosso pensamento. 
 Referência: NOVAES, A. (Org). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2007
Fonte:www.filosofiadocaos.blogspot.com.br

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Filosofia da Libertação de Enrique Dussel


 
 Muitos de nós conhecemos ou pelo menos ouvimos falar de filósofos renomados, que influenciaram certa tempo, época, idade da humanidade. O filosofo e a filosofia onde pretendo fazer algumas explanações ou até mesmo apresentar como novidade, é a Filosofia da Libertação de Enrique Dussel.
 
Dussel, filosofo argentino que teorizou está Filosofia da Libertação própria para a América Latina. Argumenta que, a filosofia clássica, ou seja, filosofia preponderante, a saber, sobretudo Kant, Hegel e Heidegger, bem como seus críticos, dentre os quais Feuerbach, Marx, Kierkegaard, não podem servir de base a um pensamento que se pretenda da libertação latino-americana.

Pois então, o que seria está Filosofia da Libertação?

filosofia da libertação trata-se de uma filosofia em particular, específica, e não aquela filosofia clássica que fora tradicionalmente européia na maior parte de sua história e, hoje, é também norte-americana.

A América Latina, devido a forte exploração capitalista que sofre desde épocas remotas das colonizações que ocorreram a partir do século XV, arcar com as conseqüências dolorosas de desigualdades sociais, fome, pobreza e miséria.

Quando os colonizadores “descobriram” as Américas, não respeitaram os nativos como seres humanos; não respeitam sua alteridade, seus costumes, a cultura, hábitos, seu modo de viver.

A Filosofia da Libertação, parte da oposição do oprimido, do excluído, da cultura massacrada e explorada, trata de mostrar a possibilidade do diálogo a partir da afirmação da alteridade ( diferença ) e ao mesmo tempo, da negatividade, a partir de sua impossibilidade empírica concreta, pelo menos como ponto de partida de que o dominado possa intervir efetivamente não numa argumentação ou numa conversação, mas num diálogo.
É necessário re-pensar a filosofia que não nos pertence, hábitos e costumes fora de nossa realidade. Devemos partir da realidade opressiva do continente latino-americano.

“ O oprimido, o torturado, o que vê ser destruída sua carne sofredora, todos eles simplesmente gritam, clamando por justiça:
– Tenho fome! Não me mates! Tem compaixão de mim! – é o que exclamam esses infelizes.
[...] Estamos na presença do escravo que nasceu escravo e que nem sabe que é uma pessoa. Ele simplesmente grita. O grito – enquanto ruído, rugido, clamor, protopalavra ainda não articulada, interpretada de acordo com o seu sentido apenas por quem “tem ouvidos para ouvir” – indica simplesmente que alguém está sofrendo e que do íntimo de sua dor nos lança um grito, um pranto, uma súplica.” Dussel (1995, p. 19)
Fonte: www.grito-rbu.blogspot.com.br