Filosofia Circular

domingo, 18 de novembro de 2012

O Pensamento Político Autoritário

Depois da guerra de 1914-1918, os países que mais sofreram com aquele conflito bélico estimularam formas de pensamento que pudessem justificar o descontentamento geral. A procura do bode expiatório foi uma constante. Como esses países haviam entrado na guerra com entusiasmo exaltado, a derrota causou profunda decepção no povo, sobretudo, nos segmentos de classe média. Acostumada a uma retórica eufórica, ao gosto pelos riscos e pelos golpes, a população não se acalmou com o pós-guerra; antes, ao contrário, contribuiu para a preparação da Segunda Grande Guerra.

Empobrecidos, desmoralizados, não tardou muito o aparecimento de líderes autoritários e carismáticos, sendo os dois maiores Benito Mussolini e Adolfo HitIer e outros menores como Franco e Salazar. Porém, essa liderança não teria alcance se não tivesse encontrado respaldo político para suas idéias. Esse respaldo veio das classes médias e setores conservadores da intelectualidade.

A influência maior no pensamento autoritário veio de HegeI. Segundo esse filósofo alemão, o chefe político é ó intermediário entre a Nação e a História. O chefe é quem faz a História. Daí não foi difícil a Mussolini e a Hitler se sentirem condutores da história.

As idéias de Hobbes também contribuíram para o pensamento autoritário. Com algumas variantes, em casos particulares, são as seguintes as caraccterísticas do pensamento político autoritário:

  • condena os princípios democráticos, negando o direito de voto a todos os cidadãos; não tolera oposição ao governo;
  • apregoa a necessidade de um partido único;
  • o partido tem como norma a disciplina e a organização de tipo militar, com uniformes e atitudes;
  • insiste na idéia de grandeza nacional;
  • os homens só têm os direitos que o Estado lhes concede;
  • as mulheres não podem freqüentar diversos cursos universitários, sobretudo, Filosofia;
  • posiciona-se contra o feminismo;
  • na Alemanha, a mulher era considerada três K (Kirche, Küche und Kinder) - igreja, cozinha e criança;
  • afirmava com Nietzsche: "a mulher é um problema cuja solução é a gravidez";
  • não reconhece limite moral ou material para a autoridade do Partido;
  • não respeita direitos adquiridos;
  • não tolera liberdade de expressão, instituindo a censura;
  • institucionaliza a tortura e o racismo;
  • considera criminoso quem se opõe ao Partido;
  • aceita o terrorismo para alcançar objetivos desejados;
  • encoraja a delação e a espionagem;
  • incentiva as organizações paramilitares;
  • afirma que o corporativismo acabará com a luta de classes;
  • sustenta a intervenção do Estado na economia;
  • considera "responsáveis" os dirigentes sindicais nomeados pelo Partido.
O fascismo onde se tornou vitorioso, em geral através de golpes de Estado, aboliu as eleições. Depois do golpe conclamou o povo para apoiá-Io no poder através de plebiscito. Todas as formas de atos escusos foram utilizadas: suborno, intrigas, conspirações secretas e manobras de todos os tipos.
 
Algumas doutrinas autoritárias
 
Facismo

O principal teórico do fascismo italiano foi Giovanni Gentile (187551944). Sua obra Os Fundamentos da Filosofia do Direito, 1916, foi inspirada na idéia do Estado de HegeI. Esta obra serviu para justificar o ordenamento do Estado Italiano.
Para Gentile, o Estado é o responsável pela criação do direito e da moral.

Assim concebido, o Estado abole a doutrina dos direitos do homem e do direito natural. Na doutrina fascista o Direito do homem é aquele que o Estado lhe confere.

Outro influente fascista foi Georges Sorel, sindicalista transformado em "intelectual". Foi ele quem elaborou a doutrina sindical fascista.

Sorel tentou unificar o interesse público e o interesse privado, fazendo apologias da violência, que segundo ele, provocaria a solidariedade entre os operários. Em 1906 publicou Reflexões sobre a Violência. Não era italiano, mas normando. Mussolini o citava em toda oportunidade.

Politicamente, o fascismo italiano não tinha uma unidade doutrinária, política e programática. O próprio Benito Mussolini achava desnecessária uma doutrina unitária, porquanto o fascismo era entendido como um movimento. A afirmação do Duce é sintomática: "nós não acreditamos em programas dogmáticos ( ... ). Nós nos permitimos o luxo de ser aristocráticos e democráticos, conservadores e progressistas, reacionários e revolucionários, legalistas e não-legalistas, de acordo com as circunstâncias do momento, do lugar e do ambiente".

Nazismo

A filosofia política do nazismo recebeu contribuição teórica de diferentes matizes. Juridicamente, Julius Binder e KarI Larenz, influenciados pela compreensão hegeliana de Estado como espírito absoluto, deram garantias institucionais ao autoritarismo alemão. Julius Binder escreveu Filosofia do Direito e Sistema da Filosofia de Direito.

Forneceram também subsídios à doutrina nazista: Ernst Maritz Arndt (1769-1860); Friedrich Ludwig Jahn (1778-1852); Houston Stewart ChammberIain (1855-1927). Este último, no livro Os Fundamentos do Século XX, divulgou o ideário racista segundo o qual o homem nórdico é o ariano puro. Dietrich Eckart (1868-1923), Alfred Rosenberg (1893-1946), Joseph Gorbbbelo, foram os principais teóricos atuantes do nazismo.

Esses intelectuais, além de suas atividades normais, escreviam panfletos, planejavam espetáculos propagandísticos, além de elaborar slogans e palavras de ordem.

Colaborou, também, na elaboração da doutrina nazista, a Filosofia de Nietzsche com sua glorificação do super-homem. Diz-se atualmente que a Filosofia de Nietzsche não teve qualquer influência no nazismo. Suas obras, entretanto, muito divulgadas e lidas, nunca tiveram o crivo da censura, nem foram queimadas em imensas fogueiras como aconteceu com as obras de Thomas Mann, Freud, Einstein, Zola, Gide, HelenKelIer, Erick Maria Remarque, Proust, Opton Sinchair, H. G. WeIls, Stefan Sweig e tantos outros.

A música de Wagner destacava a mística do herói germânico ao gosto do repertório nazista.

O livro A Decadência do Ocidente, de Oswald Spengler (4.a ed. 1934), publicado em 1918, teve milhares de exemplares vendidos. Livro de fácil leitura, nele o autor associa fatos históricos com doutrinas filosóficas, procurando mostrar que toda cultura tem fases que vão da infância à velhice. A Filosofia de Nietzsche e a poesia de Goethe foram os modelos de Spengler. Para o autor do livro, a época em que escrevia correspondia à decadência.

Dois filósofos foram acusados de não terem compreendido o nazismo nem a Filosofia que o antecedeu. São eles Gyorgy Luckács (1885-1971) e George Santayana (1863-1953).

Luckács, no seu livro Die Zerstorung der Vernunft, afirma que há uma evolução linear nas idéias que conduziram ao fascismo e ao nazismo. Para Luckács foi o nacionalismo alemão responsável por aquelas doutrinas autoritárias. Os filósofos apontados como inspiradores são: Schelling, Schopenhauer, Kierkegaard, Dilthey, Simmel, Spengler, ScheIler, Heidegger, Jaspers, KIages, Max Weber, Mannheim e Rosenberg.

O filósofo tomista norte-americano, Santayana, no seu livro O Egotismo na Filosofia Alemã (1942), atribui às idéias de Goethe, Kant, Fichte, Nietzsche e Schopenhauer a responsabilidade da aventura militar prussiana da Primeira Guerra Mundial.
 
O intelectual e o Pensamento Político Autoritário
 
As forças econômicas, sociais e políticas, representadas nas atividades dos intelectuais (juristas, economistas, etc.), podem contribuir para a manutenção de uma política autoritária, conforme a visão de Karl Mannheim.

"Sempre que a concentração de poder se torna excessiva, transforma-se em convite à tirania nas situações críticas. O poder tem suas metamorfoses. As vezes, apresenta-se desnudo, mas geralmente se disfarça em poder econômico ou administrativo, de propaganda ou de educação. Isto nos permite compreender que a vigilância democrática exige que, seja qual for a forma como se nos apresenta o poder, o povo se dê conta da sua onipresença e dos seus perigos potenciais.

Um dos mais perigosos abusos de poder consiste em insuflar o medo, procurando provocar o pânico para aproveitar-se da confusão. Por exemplo: os banqueiros e os magnatas das finanças, quando desconfiam de um governo que não lhes agrada, instigam, às vezes, uma perda geral de confiança, daí resultando uma fuga de capitais. Mesmo sem levar em conta as origens e as formas dessas influências, que solapam a liberdade democrática, é necessário que sejam combatidas com medidas adequadas. Poder-se-á objetar que essas medidas provocarão uma arregimentação indesejável e o fim da sociedade 'livre'. Podemos apenas replicar que nenhuma limitação deve ser imposta às medidas que visem a salvaguardar a base estrutural da liberdade e da democracia. Ademais, democracia não significa que devam ser tratados da mesma maneira os seus amigos e inimigos, nem signfica incapacidade de distinguir entre os controles destinados a combater a tirania ou a favorecê-Ia. Dizer que os controles são sempre prejudiciais à liberdade é criar confusões. Temos que fazer distinção entre controles benéficos e maléficos, e proporcionar medidas de proteção contra os segundos em forma democrática. Numa sociedade em que os órgãos da opinião pública estão à disposição de todos, com freqüência é suficiente a denúncia pública do perigo para conjurá-Ia. A sabotagem representada pela evasão de capitais pode ser contrabalançada por uma opinião pública bem informada e alertada. Não há limites à inventiva no campo dos controles democráticos, em contraste com os métodos brutais dos Estados policiais." (Karl Mannheim. Liberdade, Poder e Planificação. Mestre Jou. São Paulo, pp. 159-160.)

Henrique Nielsen Neto
Capítulo 7 do Livro FILOSOFIA BÁSICA (Parte Inicial)
ATUAL EDITÔRA LTDA - 2ª Edição - São Paulo - 1985

Nenhum comentário:

Postar um comentário