Filosofia Circular

sábado, 3 de novembro de 2012

A origem da liturgia protestante


As reuniões da igreja primitiva eram marcadas pelo funcionamento de cada membro, numa participação espontânea, livre, vibrante e aberta. Era um encontro fluido, não um ritual estático. E era imprevisível, bem diferente do culto da igreja moderna.


A Missa Católica

De onde vem então a liturgia do culto protestante? Ela tem suas raízes principais na Missa Católica.

Segundo o historiador Will Durant, a Missa Católica foi “baseada em parte no culto do Templo judaico, em parte nos místicos rituais de purificação dos gregos”. Durant destaca que a Missa estava profundamente mergulhada tanto no pensamento mágico pagão como no drama grego. “A mente grega, moribunda, teve uma sobrevida na teologia e liturgia da igreja; o idioma grego, após reinar por séculos sobre a filosofia, chegou a ser o veículo da literatura e do ritual cristão; o misticismo grego foi passado adiante pelo impressionante misticismo da Missa”.

Os cristãos copiaram as vestimentas dos sacerdotes pagãos, o uso do incenso e da água benta nos ritos de purificação, a queima de velas durante a adoração, a arquitetura da basílica romana em seus edifícios de igreja, a lei romana como base da “lei canônica”, o título Pontifex Máximus (Sumo Pontífice) para o Bispo principal, e os rituais pagãos para a Missa Católica.



A contribuição de Lutero

Em 1520 Lutero lançou uma violenta campanha contra a Missa Católica Romana. O ponto culminante da Missa sempre foi a Eucaristia, também conhecida como “Comunhão”, “Ceia do Senhor” ou “Santa Ceia”. Tudo é direcionado para o momento mágico em que o sacerdote parte o pão e o distribui para as pessoas. Desde Gregório o Grande (540-604) a igreja católica ensinava que Jesus Cristo é novamente sacrificado através da Eucaristia.
Em vez da Eucaristia, Lutero colocou a pregação no centro da reunião.
O erro cardeal da Missa, disse Lutero, era que esta foi uma “obra” humana baseada numa falsa compreensão do sacrifício de Cristo. Então, em 1523, Lutero enunciou sua própria revisão da Missa Católica, revisão essa que é o fundamento de toda adoração protestante. O núcleo dela é: em vez da Eucaristia, Lutero colocou a pregação no centro da reunião.

Por conseguinte, no culto de adoração dos protestantes modernos o púlpito é o elemento central e não a mesa do altar (onde se coloca a Eucaristia nas igrejas católicas). Para Lutero, “uma congregação cristã nunca deve reunir-se sem a pregação da Palavra de Deus e a oração, não importa quão exíguo seja o tempo da reunião. A pregação e o ensino da Palavra de Deus é a parte mais importante do culto divino”.

A noção de Lutero da pregação como ponto culminante do culto de adoração permanece até nossos dias. Todavia tal crença não tem nenhuma procedência bíblica. Como disse um historiador, “O púlpito é o trono do pastor protestante”. É por esta razão que os ministros protestantes ordenados são comumente chamados de “pregadores”.
“O púlpito é o trono do pastor protestante”.
Apesar dessas modificações, a liturgia de Lutero variava bem pouco da Missa Católica. Basicamente, Lutero reinterpretou muitos dos rituais da Missa, mas preservou o cerimonial, julgando-o apropriado. Ele manteve, por exemplo, o ato que marcava o ponto culminante da Missa Católica: quando o sacerdote levanta o pão e o cálice e os consagra.

Da mesma maneira, Lutero fez uma drástica cirurgia na oração Eucarística, mantendo apenas as “palavras sacramentais” de 1 Coríntios 11:23 em diante — “O Senhor Jesus na noite em que foi traído, tomou o pão… e disse ‘Tomai e comei, este é o meu Corpo’…” Até hoje os pastores protestantes recitam religiosamente este texto antes de ministrar a comunhão.
Lutero nunca abandonou a prática de ordenação do clero.
A Missa de Lutero manteve os mesmos problemas da Missa Católica: os paroquianos continuaram sendo espectadores passivos (com a exceção de poderem cantar), e toda liturgia era dirigida por um clérigo ordenado (o pastor tomando o lugar do sacerdote). Embora falasse muito sobre “sacerdócio de todos os crentes”, Lutero nunca abandonou a prática de ordenação do clero. Sob a influência de Lutero, o pastor protestante simplesmente substituiu o sacerdote católico.


A contribuição de Zwinglio

Zwinglio (1484-1531), o reformador suíço, aos poucos introduziu sua própria reforma, que ajudou a desenhar a ordem de adoração de hoje. Ele substituiu a mesa do altar por algo chamado “mesa da comunhão”, onde se ministrava o pão e o vinho. Ele também ordenou que se levasse o pão e o vinho à congregação em seus bancos utilizando bandejas de madeira e taças.

Zwinglio também é nominado como o paladino da abordagem da Santa Ceia enquanto “memorial”. Este ponto de vista é apoiado pela corrente principal do protestantismo estadunidense. O pão e o vinho são meramente símbolos do corpo e do sangue de Cristo. Como Lutero, Zwinglio enfatizou a centralidade do sermão. Tanto que ele e seus colegas pregavam com a freqüência de um canal de notícias televisivo: catorze vezes por semana.


A contribuição de Calvino e Cia

Os reformadores João Calvino da Alemanha (1509-1564), João Knox da Escócia (1513-1572), e Martin Bucer de Suíça (1491-1551) fizeram algumas modificações na liturgia de Lutero. A mais notável foi a coleta de dinheiro após o sermão. Como instrumentos musicais não são mencionados explicitamente no Novo Testamento, Calvino eliminou o órgão e os coros.

Como Lutero, Calvino enfatizou a centralidade da pregação durante o culto de adoração. Ele acreditava que cada crente tinha acesso a Deus através da Palavra pregada e não através da Eucaristia. Devido a seu gênio teológico, a pregação na igreja de Calvino em Gênova era intensamente teológica e acadêmica. Também era altamente individualista, característica que nunca foi eliminada no protestantismo.

A igreja de Calvino em Gênova foi o modelo para todas as igrejas reformadas. Isto explica o caráter intelectual da maioria das igrejas protestantes hoje, especialmente a Reformada e a Presbiteriana.

A característica mais nociva da liturgia de Calvino é a de fazer o culto ser dirigido de cima do púlpito. O cristianismo nunca se recuperou disso. Hoje, o pastor atua como mestre de cerimônias e diretor executivo do culto dominical.

Um costume adicional que os reformadores copiaram da Missa foi a prática do clero caminhar em direção a seu assento designado no princípio do culto enquanto a congregação ficava em pé, cantando. Essa prática teve início no século IV quando os bispos entravam magnificamente em suas basílicas, e foi por sua vez copiada diretamente do cerimonial da corte imperial pagã. É ainda observada em muitas igrejas protestantes.


A contribuição dos puritanos

O abandono das vestes clericais, ídolos, ornamentos e o clero escrevendo seus próprios sermões (em vez de ler homilias) foi uma contribuição positiva que os puritanos (os calvinistas da Inglaterra) nos legaram.

A glorificação do sermão, no entanto, alcançou seu apogeu com os puritanos norte-americanos. Os residentes da Nova Inglaterra que faltavam ao culto eram multados ou presos no tronco.


As contribuições dos metodistas e do Evangelismo da Fronteira

Os metodistas do século XVIII proporcionaram uma dimensão emocional à ordem de adoração protestante. A congregação foi convidada a cantar com força, vigor e fervor. Desta maneira, os metodistas foram os precursores dos pentecostais.
Os metodistas proporcionaram uma dimensão emocional à ordem de adoração protestante.
Os séculos XVIII e XIX trouxeram novidades para o protestantismo americano. Primeiramente, os evangelistas fronteiriços alteraram a meta da pregação. Sua meta exclusiva era agora a conversão de almas. Dentro da cabeça do evangelista, não havia outra coisa no plano de Deus a não ser a salvação. Esta ênfase teve sua origem na pregação inovadora de George Whitefield (1714-1770), o primeiro evangelista moderno a pregar ao povo ao ar livre. A noção popular de que “Deus ama você e tem um plano maravilhoso para sua vida” foi introduzida por Whitefield.

Em segundo lugar, a música do evangelho fronteiriço falava à alma e visava propiciar uma resposta emocional à mensagem da salvação. Todos os evangelistas famosos tinham músicos em sua equipe justamente para este propósito. A adoração passou a ser um espetáculo.

Seguindo a trilha dos revivalistas, o culto metodista passou a ser o meio para obter o fim. A finalidade do culto já não era mais a simples adoração a Deus: os crentes foram instruídos a ganhar novos crentes individuais. Os sermões abandonaram a temática da “vida real” para proclamar o evangelho ao perdido. Toda humanidade foi dividida em dois desesperados campos polarizados: perdido ou salvo, convertido ou incrédulo, regenerado ou condenado.
Os evangelistas fronteiriços alteraram a meta da pregação; sua meta exclusiva era agora a conversão de almas.
Em terceiro lugar, os metodistas e os evangelistas fronteiriços deram à luz o “apelo”, a prática de convidar pessoas que desejam orações a colocar-se de pé e vir à frente.

Tanto pecadores como santos carentes eram convidados a ir à frente para receber as orações do ministro. Charles Finney (1792-1872) convidava o pecador para ir à frente e ajoelhar-se diante da plataforma para receber a Cristo. Finney tornou esse método tão popular que “após 1835, chegou a ser um elemento indispensável no moderno revivamento”.

Além da popularização do apelo, também se atribui a Finney a invenção da prática de orar nominalmente pelas pessoas e mobilizar grupos de obreiros para fazer visitas nas casas.
A contribuição predominante de Finney ao cristianismo moderno foi o pragmatismo.
A contribuição predominante de Finney ao cristianismo moderno foi o pragmatismo – a crença de que se algo funciona ou dá resultados, deve ser apoiado ou aceito. Finney ensinava que o único propósito da pregação é ganhar almas; qualquer mecanismo que ajudasse atingir esta meta poderia ser aceito. O cristianismo moderno nunca se recuperou desta ideologia anti-espiritual.

A meta dos Evangelistas Fronteiriços era levar pecadores individualmente a uma decisão individual por uma fé individualista. Como resultado, a meta da Igreja Primitiva — a edificação mútua e o funcionamento de cada membro manifestando Jesus Cristo coletivamente diante dos principados e potestades — perdeu-se completamente.

O Evangelismo Fronteiriço americano converteu a igreja em um ponto de pregação, reduzindo a experiência da ekklesia a uma missão evangelística. Isto normatizou os métodos revivalísticos de Finney e criou personalidades do púlpito como a atração dominante.


A tremenda influência de D. L. Moody

As sementes do “evangelho revivalista” foram espalhadas através do mundo ocidental pela influência de D. L. Moody (1837-1899).

Moody inventou o solo após o sermão do pastor. O cântico de apelo era entoado por um solista até que George Beverly Shea sugeriu que fosse cantado pelo coral. Shea encorajou Billy Graham de utilizar um coral para cantar hinos como “Eu venho como estou” enquanto as pessoas iam à frente para aceitar a Cristo.

Moody deu-nos o testemunho porta em porta, os anúncios e as campanhas evangelísticas. Deu-nos o “cântico de evangelização” ou “hino evangelístico” e também popularizou o “cartão de decisão”, invenção de Absalom B. Earle (1812-1895).

Moody foi o primeiro a pedir ao que queria ser salvo para colocar-se em pé e deixar-se conduzir em uma “Oração do Pecador”. Cinqüenta anos depois, Billy Graham melhorou a técnica de Moody introduzindo a prática de pedir ao ouvinte para baixar a cabeça, fechar os olhos (“sem olhar nada em volta”), e levantar as mãos como resposta à mensagem salvadora.

Vale notar que Moody foi grandemente influenciado pelo ensino dos Irmãos Plymouth quanto à escatologia (final dos tempos), que pregava a vinda iminente de Cristo antes da grande tribulação. O pré-tribulacionismo deu origem à idéia de que os cristãos necessitam salvar muitas almas o mais rápido possível, antes do fim do mundo.


A contribuição pentecostal

Inaugurado por volta de 1906, o movimento Pentecostal trouxe uma expressão mais emotiva através dos cânticos entoados pela congregação. Estes incluíam mãos levantadas, danças entre os bancos, bater palmas, falar em línguas e o uso de pandeiros.

Porém, suprimidas as características emotivas do culto pentecostal, sua liturgia é idêntica à batista. Um pentecostal tem apenas mais espaço para mover-se ao redor do seu assento.

Como em todas as igrejas protestantes, o sermão é o ponto culminante da reunião pentecostal. Todavia o pastor às vezes sentirá “o movimento do Espírito”. Nesse caso, ele adiará seu sermão para o próximo domingo, e a congregação cantará e orará durante o resto do culto.

A tradição pentecostal também deu-nos a música do solista e a música coral (muitas vezes descrita como “música especial”) que acompanha a oferta.

Na mente do pentecostal, a adoração a Deus não é um assunto coletivo [o corpo da igreja], mas uma experiência individual [o membro da igreja]. Com a penetrante influência do movimento carismático, essa obsessão de adoração individualista infiltrou-se na grande maioria das tradições protestantes.


Muitos ajustes, nenhuma mudança vital

Durante os últimos 500 anos, a ordem de adoração [liturgia] protestante permaneceu quase que praticamente inalterada. No fundo, todas as tradições protestantes partilham as mesmas características em sua liturgia: suas reuniões são celebradas e dirigidas por um clérigo, o sermão é a parte central, os membros são passivos e não tem permissão para ministrar.
São celebradas e dirigidas por um clérigo, o sermão é a parte central, os membros são passivos.
Os reformadores produziram uma tímida reforma da liturgia católica. Sua principal contribuição foi a mudança do enfoque central. Nas palavras de um erudito, “o catolicismo seguiu o caminho dos cultos pagãos, tomando o ritual como elemento central de suas atividades, enquanto que o protestantismo seguiu o caminho da sinagoga ao colocar o livro no centro de seus cultos”. Lamentavelmente, nem o catolicismo nem o Protestantismo tiveram êxito em colocar Jesus Cristo no centro de suas reuniões. Não é surpreendente o reformador ver a si mesmo como católico reformado.

É de lamentar-se que a liturgia protestante não tenha se originado com o Senhor Jesus, os Apóstolos, nem com as Escrituras do Novo Testamento.

A liturgia protestante reprime a participação mútua e o crescimento da comunidade cristã. O culto inteiro é dirigido por um homem. Onde está a liberdade para que Jesus fale através de Seu Corpo a qualquer momento? De que forma, na liturgia, Deus poderá dar a um irmão ou irmã uma palavra para compartilhar com toda congregação? A ordem de adoração não permite tal coisa. Jesus Cristo não tem a liberdade de expressar, através de Seu Corpo, Sua direção. Ele é mantido cativo por nossa liturgia. Ele mesmo é transformado em espectador passivo.

Finalmente, para muitos cristãos o culto dominical é extremamente enfadonho. É sempre a mesma ladainha sem nenhuma espontaneidade. É altamente previsível, bem superficial, e completamente mecânico. Há pouco ar fresco ou inovação.

Igrejas atentas ao seu “índice de audiência” tem reconhecido a natureza estéril do culto moderno. Contudo, apesar do entretenimento, até mesmo o movimento das igrejas que atuam em função de seus “indicadores” não conseguiu livrar-se da pró-forma litúrgica protestante, imóvel, sem imaginação, sem criatividade, inflexível, ritualista, sem sentido.

O culto, portanto, continua cativo pelo pastor; o tripé “sermão, hino, apelo” permanece intacto; e a congregação prossegue na condição de espectadora muda (só que agora está mais entretida nesta condição).

A liturgia protestante que você assiste (ou agüenta) a cada domingo, ano após ano, dificulta a transformação espiritual. Isto porque essa forma de culto: 1) estimula a passividade, 2) limita o funcionamento, e 3) implica que investir uma hora por semana é o segredo da vida cristã vitoriosa.
O cristianismo primitivo era informal e livre de rituais.
O fato é que a liturgia protestante é antibíblica, impraticável e antiespiritual. Não há nada semelhante a isso no Novo Testamento. A liturgia contemporânea dilacera o coração do cristianismo primitivo, que era informal e livre de rituais.

Reuniões [como as da igreja primitiva] são marcadas por uma incrível variedade. Não são ligadas a um homem, nem a um modelo de adoração dominada pelo púlpito. Há espontaneidade, criatividade e frescor.

O Novo Testamento não silencia com respeito a como nós, cristãos, devemos nos reunir. Devemos continuar a arruinar o funcionamento da direção de Cristo defendendo as tradições do homem?

Ficar dramaticamente longe deste ritual dominical é a única maneira de descongelar o povo de Deus.

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Via: http://www.baciadasalmas.com/

Fonte: Versão condensada do primeiro capítulo de Cristianismo Pagão, do maluco Frank Viola. Leia o livro completo aqui(o servidor é o geocities, fica temporariamente fora do ar se o limite de acessos for ultrapassado), ou baixe o arquivo PDF. A tradução é de Railton de Sousa Guedes.

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