Filosofia Circular

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Filosofia de Carnaval


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Por Saturnino Braga 

O tempo vazio do Carnaval enche a mente de quimeras e idéias filosóficas, isso que todo mundo normalmente já tem, a maioria sem consciência plena: filosofia moral, filosofia política, estética, filosofia de vida, do cosmo, filosofia religiosa, todo mundo tem e faz, é uma atividade constitutiva do ser humano, este que pensa e que fala, que não para de pensar e pensa mesmo sem falar, e age guiado por este pensamento, só às vezes racional. 

Este pensamento não é, pois, a razão pura analisada por Kant mas é uma consciência infiltrada de juízos e reações vindas da experiência infantil e da convivência do grupo social de cada um. Esse conjunto que conforma a mente faz os julgamentos e os comportamentos humanos. 

Na base biológica desse conjunto, na formação que antecede as experiências, estão os conteúdos puros kantianos, os conceitos “a priori”: o tempo, o antes e o depois, o princípio e o fim, o espaço de três dimensões, o mais comprido, o mais largo, o mais alto, como também a noção do bem e do mal, do certo e do errado, da lei moral; são fundamentos da mente humana. 

No desenvolvimento dessa mente pela experiência, a partir desses conceitos prévios, surgiu a razão operacional, a noção de causa e efeito, eu faço isso e obtenho aquilo, eu emito um fonema e o outro compreende e sabe o que eu quero comunicar, essa razão operacional que produziu a grande transformação, tirou o homem da caverna e o colocou no Rio de Janeiro. Essa razão criou os estupendos feitos da tecnologia, que continuam se multiplicando espantosamente, e criou também, antes da tecnologia, a ciência pura que, auxiliada pela tecnologia (que permite “ver” o infinitamente pequeno e o infinitamente grande) e pela matemática especulativa levada ao máximo da abstração, prossegue no desvendamento da realidade, da “coisa em si”, completamente diferente daquela observação comum dos sentidos e da intuição da mente humana, limitada pelos conceitos “a priori”. 

A ciência há cem anos acabou com o espaço e o tempo da mente humana e produziu matematicamente o espaço-tempo de quatro dimensões e a matéria-energia, absolutamente inalcançáveis pela nossa intuição. A ciência destruiu a ligação firme de causa e efeito e hoje trabalha na contestação da idéia de princípio e fim, percorrendo caminhos que levariam a negar o princípio do próprio universo e concluir que ele sempre existiu, que essa idéia de princípio é da mente humana, não da “coisa em si” da natureza. 

E Deus? Ora, dizem os pensadores repetindo Nietzsche, a ciência explodiu Deus, que também é uma criação da mente humana, o super-super-homem, à sua imagem e semelhança. Bem, mas será que essas criações essenciais, quase espontâneas da mente humana não são, elas mesmas, a verdade essencial deste ser? Afinal, o que é mais importante para a vida e a felicidade do homem e da mulher neste nosso planeta: a “coisa em si” descoberta pela ciência ou os fenômenos observados, vistos e compreendidos dia a dia pela nossa mente? 

Mas o que é isso?, escarnecem os engenheiros e cientistas; por acaso a felicidade do homem não depende da casa, da geladeira, do fogão, dos antibióticos, do automóvel, da televisão, do computador? Mas o que é a felicidade, indagam os filósofos? O que é realmente importante para uma vida plena e saudável, e o que é mais importante para esta felicidade tão buscada senão essa vida plena e saudável, física e psiquicamente? São divagações especulativas do tempo de carnaval. Não importam tanto as respostas; elas mudam muito ao longo do tempo e do espaço planetário; variam às vezes de dia para dia no mesmo lugar. O que importa é a indagação, é a discussão, é a filosofia. Para muitos brasileiros, mais que todos aqueles artefatos da tecnologia, o importante para a felicidade humana é o Carnaval, a filosofia do Carnaval. E eles também são seres humanos. 

* Saturnino Braga é ex-deputado federal, prefeito e vereador da cidade do Rio de Janeiro e ex-senador da República

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