Filosofia Circular

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Camus: O Absurdo e a Finitude


 

 

CAMUS: O ABSURDO E A FINITUDE


“ A Filosofia de Camus é uma Filosofia do Absurdo, e o absurdo, para ele, nasce da relação entre o homem e o mundo, entre as exigências racionais do homem e a irracionalidade do mundo”. Sartre

A vida humana pode não ter sentido, mas também ser absurda. O mundo é constituído por despropósitos onde não parece existir finalidade e valor.
Para Camus a vida é absurda, não tem sentido. A inutilidade do sofrimento e a inevitabilidade da morte confirma a sua posição.
A Peste é um romance fascinante que nos leva a reflectir sobre a finitude do homem e a morte eminente. Aqui o homem está perante uma situação limite.
Em O Estrangeiro, é tratado o absurdo da existência. O homem sente-se um estrangeiro entre os homens, um exilado do mundo para o qual não encontra um sentido. A personagem vive o absurdo, opta pelo fracasso ou pela desistência da vida.
Em O Estrangeiro Camus o absurdo centra-se no indivíduo, em A Peste o absurdo é colectivo. Nos dois casos a gratuidade da vida, da morte, dos acontecimentos e a irracionalidade do mundo.

Heidegger define o homem como um “ser-para-a-morte”; a morte não é apenas um fim inevitável, pertence à estrutura íntima do homem.
Para os existencialistas, a morte é exterioridade, é a negação do homem e, por isso absurda.

Trata-se de um romance que coloca o homem frente à situação-limite que mais o assusta: a morte, não como resultado do ciclo da existência, o que é natural, mas trágica, dolorosa, com sofrimento. E mais: gratuita, um capricho cruel que surge repentinamente, impondo um fim gradual e pavoroso. Dada sua omnipresença e força simbólica, a morte é uma personagem nesse livro da separação e da esperança.
Para Camus a vida é absurda.


Através do Mito de Sísifo, ensaio sobre o absurdo, Camus procura mostrar como o esforço humano é inútil, como a existência tem uma natureza absurda.
O mito de Sísifo é um mito grego onde Sísifo, rei de Corinto, por ter desafiado os Deuses, contando os seus segredos aos mortais, foi condenado a empurrar uma pedra enorme, sem descanso, até ao cume de uma montanha. Mas, assim que chegava ao topo, a pedra resvalava e era preciso começar de novo, eternamente. Esta imagem traduz a existência humana, onde as tarefas se iniciam num ciclo sem fim.
O Absurdo significa o sem sentido do que não está de acordo com as leis da lógica.
Jean Paul Sartre escreveu no Prefácio de “O Mito de Sísifo” “ A Filosofia de Camus é uma Filosofia do Absurdo, e o absurdo, para ele, nasce da relação entre o homem e o mundo, entre as exigências racionais do homem e a irracionalidade do mundo”.
Efectivamente, o sentimento de absurdo nasce do confronto inconsequente e doloroso entre o homem e o mundo. O homem procura a inteligibilidade do mundo e da vida mas a realidade apresenta-se irracional.
Mas é a estranheza que se revela na existência; os outros e nós mesmos revelam-se estranhos. Queremos promover valores mas a existência afirma-se nua e crua com um sofrimento inadmissível.
Mas o que fazer, face ao absurdo?
Não podemos fugir à condição humana. A resposta deve ser a revolta. A recusa em cooperar com a injustiça, com a desonestidade




segunda-feira, 22 de abril de 2013

A vontade





Podemos dizer que o filósofo Arthur Schopenhauer, nascido em Dantzig (em 1788) e falecido em Frankfurt (em 1860), marcou a História da Filosofia no Ocidente, principalmente por ter valorizado um elemento novo nas discussões filosóficas: a noção de corpo. Nos tempos em que Schopenhauer viveu, as filosofias de Hegel e de Schelling predominavam e se apoiavam somente no aspecto racional do homem . Para Schopenhauer, em vez de a razão definir o homem e "decifrar o enigma do mundo", são o corpo e o sentimento, o que ele chama de vontade, que permitem alcançar e dizer o sentido das coisas. A vontade é o que há de mais essencial no mundo; ela se manifesta em toda a natureza e nos corpos animais, independentemente de serem eles possuidores ou não da faculdade de razão. Todos os corpos do mundo fenomênico são considerados, nessa filosofia, como concretização de um mesmo querer que nunca cessa. A objetivação da vontade não escolhe se vai se manifestar no homem mais inteligente ou numa pedra. Desse modo, em se tratando de espécies, a diferença entre os seres humanos e os demais animais é quase insignificante, visto que tanto o homem quanto o animal têm por base uma mesma essência metafísica, a vontade de vida.
Além disso, o que faz com que a atenção dada por Schopenhauer ao corpo seja vista como determinante é o papel indispensável que este elemento tem na teoria do conhecimento do pensador. Ele acredita que a base da formação do nosso conhecimento racional não é racional, já que começa com as sensações corporais. O que o filósofo chama de representações empíricas só existem porque, anteriormente, o corpo informou dados dos objetos e sensações abafadas ao entendimento que organiza as representações. Nesse contexto, é importante levar em conta que o entendimento também faz parte do corpo do sujeito, já que é entendido como um órgão físico ou o próprio cérebro. Assim, em vez da racionalidade, como se fosse uma rainha do mundo, definir sozinha o conhecimento, ela se torna dependente dos dados corporais; só a partir desses dados a razão pode fazer algo.
Resumidamente, segundo Schopenhauer, ocorre o seguinte: por meio das afecções do corpo, o indivíduo enraíza-se no mundo e passa a intuí-lo pelo entendimento, gerando, assim, o conhecimento. Com efeito, se o indivíduo é sujeito do conhecimento, ele é também corpo . Assim, inserida no campo da discussão da cognoscibilidade humana, a noção de corpo concebida pelo pensador apresenta-se como determinante. Não mais se corre o risco da admissão de uma "cabeça de anjo alada" designando a mente do homem totalmente alheia a seu corpo, algo possível quando se considera apenas o domínio da abstração sem uma base corpórea.
Nesse sentido, se a fim de sustentar a sua teoria do conhecimento, Descartes tomou o cogito como determinante, estabelecendo a dualidade corpo/alma e o primado da res pensante sobre a res extensa; Schopenhauer, em vez de delimitar corpo e alma, une corpo e intelecto. Tanto o corpo quanto o intelecto são expressões de um mesmo em-si, que, acima de tudo, expressam algo que o pensamento e os conceitos não alcançam, a própria vontade.
O ponto de partida do conhecimento

A questão pode ser mais bem detalhada quando consideramos que o corpo é tomado pelo filósofo sob duas perspectivas. Uma que o considera como objeto imediato e outra que o vê como objeto mediato. Nesse sentido, "o entendimento nunca seria usado, caso não houvesse algo a mais, de onde ele partisse. E este algo consiste tão-somente nas sensações dos sentidos, a consciência imediata das mudanças do corpo, em virtude da qual este é objeto imediato."




O autor faz uma ressalva quando toma o corpo como objeto imediato. O corpo não se dá propriamente como objeto por um motivo claro: é que Schopenhauer não o considera de um ponto de vista unilateral, ou seja, tão somente do ponto de vista do mundo como representação, o que justificava designá-lo como objeto, mas, além disso, passa a considerá-lo também a partir do mundo como vontade. De fato, principalmente a partir do Livro II de O Mundo como Vontade e como Representação, ações do corpo e atos da vontade passam a se identificar e, em razão disso, o corpo é também visto como Objeto da Vontade (Objektität des Willens). Assim é que o objeto imediato passa a ser visto por si mesmo e, mais ainda, esse outro modo de conhecimento passa a se distinguir do que é comum à representação. Com isso, a certa altura já não se tem mais tão-somente "sensações dos sentidos", ou seja, um mero meio para algo outro, mas a realidade externa. Esse mesmo meio passa a se definir como objeto e a sua figura corporal começa a ser desenhada, estando ela dotada de especificidades.Além disso, Schopenhauer salienta a que o corpo é a representação que constitui para o sujeito o ponto de partida para o conhecimento. O corpo é, pois, objeto imediato na medida em que é um mero conjunto de sensações dos sentidos que advêm da ação dos outros corpos sobre si. Nesse primeiro aspecto, o corpo designa propriamente a vontade porque cada ato de vontade corresponde a um movimento corporal; e, então, ele passa a ser - além de condição de possibilidade do conhecer - a chave para se descobrir ou se decifrar o "enigma do mundo". Contudo, esse mesmo corpo pode fornecer dados dele mesmo, na medida, por exemplo, em que os olhos veem suas partes e as mãos o podem tocar. Assim é que o corpo passa a ser, tal como os outros, objeto mediato, portanto, conhecido como representação na intuição do entendimento. Para que esse conhecimento ocorra é necessária, através do uso da lei da causalidade, a ação de uma de suas partes sobre as outras.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A verdade e a falsidade de afirmações universais




Eu tenho me convencido ultimamente que ensinar um conjunto mínimo de noções de filosofia da linguagem e de lógica no Ensino Médio pode bem ser a melhor maneira de promover o tão esperado senso crítico ou educação para a cidadania. E isso se deve justamente ao caráter formal, abstrato ou desprovido de conteúdo desses conhecimentos. Aprender essas noções mínimas de lógica e filosofia da linguagem não é aprender um conjunto de verdades, que a partir de então seriam aceitas como incontestáveis. Não! Aprender essas noções mínimas é essencialmente uma questão de adquirir um conjunto de técnicas, instrumentos ou habilidades que podem ser aplicados a toda e qualquer pretensão de verdade que tenhamos em nossas vidas diárias.
Um conjunto de esclarecimentos que penso serem do tipo que mencionei acima diz respeito às condições de verdade de afirmações universais. Quero considerar aqui afirmações do tipo:
  1. “Todas os casos de aborto são moralmente errados”; e
  2. “Nenhum político é sincero”.
Essas afirmações são chamadas universais por dizerem algo acerca de todas as coisas de um certo tipo – políticos, abortos etc. A afirmação (1), por exemplo, diz que todo e qualquer caso de aborto é moralmente errado; a afirmação (2) é universal (porém negativa) por dizer que todo e qualquer político não é sincero.
Falar das condições de verdade de uma afirmação é falar sobre as condições que, se preenchidas, mostrariam que ela é verdadeira ou falsa. No caso das afirmações universais é mais fácil falar primeiro das condições em que elas sãofalsas.
Voltemos aos exemplos. Para que a afirmação (1) seja falsa basta que exista um único caso de aborto que não seja moralmente errado. Temos vários exemplos disso: casos de aborto em que a concepção foi resultado de estupro ou (se você não concorda com esse caso) abortos espontâneos não são moralmente errados. Portanto, a afirmação (1) é falsa.
No caso da afirmação (2), também é mais fácil dizer em que caso ela seria falsa. Para que (2) seja falsa basta existir um único político que é sincero. (2) diz que todos os políticos não são sinceros e, portanto, um único caso de político que é sincero mostra que (2) é falsa. Assim, se você conhece um político sincero, então você não pode tomar por verdadeira a afirmação (2).
Agora, em que casos seriam verdadeiras as afirmações universais? Se uma afirmação universal é verdadeira, isso implica que entre todas coisas ou indivíduos sobre os quais ela fala não existe nenhum que contradiga o que é afirmado sobre eles. Por exemplo, para que fosse verdadeira a afirmação (1), não poderia existir nenhum caso de aborto que fosse moralmente aceitável. Para que (2) fosse verdadeira, também, não poderia haver um único político sequer que fosse sincero.
A grande dificuldade em estabelecer a verdade da maioria das afirmações universais é que nossas capacidades de conhecimento (ou cognitivas) não conseguem varrer todos os casos abrangidos e conferir se estão de acordo com o que é dito a seu respeito. Estabelecer a verdade delas exigiria percorrer todo um grupo de indivíduos – os abortos ou os políticos, por exemplo – e constatar que ali não existe nenhum caso que contradiga o que foi afirmado sobre eles – que todos os casos de aborto investigados são errados e que cada um de todos os políticos investigados não é sincero.
O problema é que em muitos casos isso é praticamente irrealizável. Em muitos casos as afirmações universais falam de coisas que não estão acessíveis a nós. Isso pode se dar quando ela fala sobre casos passados ou futuros que não estão mais, ou ainda, acessíveis (ex: “Nenhum dinossauro tinha cinco pernas”), quando ela fala sobre coisas às quais não temos acesso (ex: “Todas as galáxias têm buracos negros”) entre outros casos.
Um fato curioso é que a maioria dos preconceitos são sustentados de maneira universal. Sendo assim, temos agora a chave para combatê-los: basta encontrar um único caso que contradiga a afirmação universal. É por isso, também, que é prudente conferir o estatuto de hipótese à grande maioria das afirmações universais. Geralmente não temos em mãos todos os casos que precisaríamos investigar a fim de estabelecer a verdade de uma afirmação universal. Isso implica que não estamos livres de encontrar em breve um caso mostrando que uma afirmação universal é falsa e precisa ser abandonada.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Mundo do crime e do orgulho

 
 Em novembro de 2010, assistimos à ocupação do Morro do Alemão no Rio de Janeiro realizada por policiais e soldados. Tratava-se de (enfim!) recuperar um território ocupado pelo crime organizado, notadamente por traficantes. O evento foi notícia no mundo inteiro e, no Brasil, recebeu ampla cobertura jornalística com incessantes transmissões televisivas ao vivo. Com raras exceções, a ocupação foi saudada como grande vitória do Estado contra os bandidos - embora julgada tardia -, obteve amplo apoio da população e foi por muitos vista como a vitória do bem contra o mal. Entre as várias cenas mostradas pela televisão, chamou-me a atenção aquela, várias vezes reprisada, dos bandidos fugindo em debandada morro acima, morro abaixo. Por quê? Porque ela se relaciona com a dúvida que, certamente, inquieta a todos: afinal, o que atrai certos jovens a entrar para o que eles mesmos chamam do "mundo do crime" e do qual sabem que raramente se sai vivo? Vejamos, em primeiro lugar, o que alguns jovens infratores disseram quando de uma pesquisa realizada por Natalia Nogushi, mestre em Psicologia pela USP. Um deles lhe afirmava que "todo mundo é bandido, sabe?" Outro acrescentava: "É sangue bom". Outro ainda comentou "Ele matou delegado, matou polícia, acho que ele já matou um montão de gente, senhora. (...) Por isso ele é considerado. (...) Ah, os outros considera ele, senhora. Falam 'ah, o cara é perigoso, senhora, e tal, tudo (...) É, os cara acha isso dele, né". Como não ver nessas afirmações certo orgulho de pertencer ao "mundo do crime"? É justamente esta a opinião do pai de um deles: "Meu filho acha bonito aparecer como cara perigoso pras comunidades. O que mais estimula ele não é nem o dinheiro, é mais poder aparecer. Mostrar quem é, mostrar que pode, entendeu?" . O INDIVÍDUO VAI, DESDE CRIANÇA E A VIDA TODA, ATRÁS DA BUSCA DA CONSTRUÇÃO DE IMAGENS POSITIVAS DE SI MESMO. MAS ONDE ENCONTRARÁ TAIS IMAGENS? É também o que estudiosos do fenômeno da violência e do crime nos dizem. Kátia Lund, co-diretora do filme Cidade de Deus, julga que jovens entram no mundo do tráfico não pelo dinheiro, mas sim porque "eles escolhem entre viver um pouco como um rei ou muito como um Zé. Como nós, preferem estabelecer um marco, ser alguém". E esse "ser alguém" associa-se à violência, pois, como ainda o diz Kátia "no tráfico eles percebem que podem ser bons em alguma coisa" . A Antropóloga Alba Zaluar traz diagnóstico parecido quando afirma que "esse é um fenômeno que está sendo muito estudado nos EUA e na Europa e diz respeito a homens que têm dificuldade de construir uma imagem positiva de si mesmos. Precisam da admiração e do respeito por meio do medo imposto aos outros. Por isso exibem armas e demonstram crueldade diante do inimigo" . Os autores do livro Cabeça de Porco pensam que muitos jovens procuram o tráfico para escapar da invisibilidade social à qual são, pelo fato de serem pobres, relegados. Escrevem eles: "a arma é o passaporte para a visibilidade" . É óbvio que várias são as razões que podem levar alguém à marginalidade, porém creio que não se deve de forma alguma negar o valor das análises e dos depoimentos acima transcritas, pois são coerentes com um aspecto relevante do processo psicológico de construção de identidade. Devemos a Alfred Adler a tese segundo a qual uma das motivações centrais do indivíduo é a expansão de si mesmo e, logo, nada pior para ele do que julgar-se pessoa de pouco valor. Dito de outra forma, o indivíduo vai, desde criança e a vida toda, atrás da busca da construção de imagens positivas de si mesmo. Mas onde encontrará tais imagens? Naturalmente na sociedade na qual vive e por intermédio do olhar alheio que o julga positiva ou negativamente. Citemos mais uma vez o que dizem jovens em situação de desamparo social e risco, no caso os chamados meninos (em situação) de rua. Numa pesquisa realizada sob minha orientação há alguns anos em São Paulo, observamos que muitos desses meninos diziam sentir-se humilhados pelo fato de serem desprezados pela sociedade E eles acrescentavam que lhes parecia haver apenas uma maneira de eles existirem para as outras pessoas: causando-lhes medo. Ora, o mesmo deve ocorrer com muitos dos jovens que aceitam ser reunidos pelo "mundo do crime". Nele, eles existem para a sociedade, são manchete, são alguém, têm imagem positiva de si próprios, orgulho de si. Isto posto, voltemos aos acontecimentos cariocas e lembremos da cena da fuga dos presos. Viam-se homens, antes temidos, respeitados, que anunciavam heroica e sangrenta resistência à Polícia, correrem lamentavelmente, humilhados, chamados de covardes, e perderem, portanto, toda (ou parte) da admiração de que eram objeto. É bem provável, muitos jovens que viram a cena começarem a se perguntar se ser bandido confere a si próprios a identidade valorativa que buscam. Se tal pergunta de fato ocorreu, terá sido, penso, uma vitória da invasão do Morro do Alemão. Mas vitória parcial apenas, pois admitindo que estejam privados de uma imagem valorizada, quais outras poderão achar? Quais outras a sociedade lhes oferece? Como o escrevem os autores do livro Cabeço de Porco, ao esmagar a autoestima dos jovens a sociedade "está armando uma bomba relógio contra si mesma". 
Fonte:  www.psiquecienciaevida.uol.com.b