Éuma tradição: anualmente o Oxford Dictionary escolhe um termo da língua inglesa que considera a “palavra do ano”. São conhecidos os debates entre os linguistas da casa ao redor do termo da vez, que raramente é unânime. Não foi o que aconteceu em 2013. “A decisão foi unânime, quase não houve discussão”, escreveu a equipe da secular publicação britânica em seu blog oficial. A palavra de 2013 foi “selfie”.
A palavra em si não é nova: há registros do uso do termo “selfie” para definir uma foto de si mesmo sendo usada em 2002, em um fórum australiano. Se a palavra não é nova, a ideia de tirar o próprio autorretrato é muito menos: as pessoas tiram selfies desde antes da chegada da câmera digital, reproduzindo uma expressão artística histórica — afinal fotógrafos e pintores os produzem há séculos. O primeiro selfie da história é atribuído ao fotógrafo Robert Cornelius, que em 1839 tirou uma foto de si mesmo. O retrato era a estética mais popular nos primórdios da fotografia, então há selfies de outros fotógrafos que datam da década seguinte. E de acordo com o mesmo Oxford Dictionary, essas imagens, mesmo que tiradas com um acionador a distância, também são selfies: afinal, foram reveladas e divulgadas.
É que a definição do Oxford Dictionary para selfies é bem abrangente na estética — qualquer foto que você tire de si mesmo é um selfie, mesmo que não seja do próprio rosto —, mas carrega consigo a ideia de publicação: “Uma fotografia que alguém tira de si mesmo, tipicamente registrada com um smartphone ou uma webcam e então postada em alguma rede social”. Ou seja: embutido no conceito do selfie vem o ato de publicá-lo. Para o Oxford, o selfie não publicado é como a proverbial árvore que cai na floresta sem fazer barulho: se ninguém o vir, não é um selfie.
O que mudou em 2013 é que nunca foram tirados tantos selfies. A terceira tag mais popular do Instagram é #me e a lista das celebridades que tiram autorretratos e os publicam online saiu da esfera pop, chegando até a líderes políticos: o presidente dos EUA Barack Obama e o Papa aderiram ao gênero em 2013. E há quem diga que isso é apenas reflexo do egocentrismo de nossa geração. Em um programa de rádio canadense no ano passado, o escritor Andrew Keen, autor do livro O Culto do Amador, que critica a produção de conteúdo na web 2.0, disse que selfies são “um ato de extremo narcisismo”. Até você já deve ter se questionado sobre as motivações de alguém que enche a timeline de redes sociais com fotos de si mesmo.
NARCISISMO DIGITAL
“A arte da autocomunicação em massa, termo cunhado pelo teórico da comunicação Manuel Castells, atingiu altos níveis de sofisticação desde a popularização das mídias sociais”, explicou à GALILEU a professora José van Dijck, especialista em estudos de mídia da Universidade de Amsterdã. “Essas novas plataformas — Facebook, Twitter, Instagram e Snapchat — alimentam uma tendência à autopromoção.” E surge a dúvida: sempre gostamos de nos exibir e os selfies apenas refletem isso, ou as câmeras frontais e o Instagram acabaram despertando nosso lado exibicionista?
A psicóloga Pamela Rutledge, que analisa o impacto das redes sociais e da tecnologia na sociedade, acredita que isso é natural. “Todo mundo busca aprovação. É parte da nossa composição biológica. Isso só se torna um problema se o indivíduo depender exclusivamente da aprovação dos outros para se sentir bem consigo mesmo. É um comportamento que não se restringe à internet, é mais um problema fundamental com autoestima e vai se manifestar em relacionamentos e comportamento offline, também”, explica.
Ela é otimista sobre a maneira como nós lidamos com estas formas de exposição online e diz que é forma de contato e comunicação. “Não há nada de errado com isso. É apenas uma prova de que nós temos valor entre nossos amigos e comunidades e nos faz sentir bem. Nosso cérebro funciona de maneira que, quando as pessoas demonstram gostar de nós, isso desencadeia uma resposta”, diz. E avisa: qualquer pessimismo em relação ao inofensivo hábito de postar fotos de si mesmo é exagero. “Dizer que a cultura dos selfies pode impactar a personalidade dos adolescentes e torná-los mais egocêntricos é exagero”, diz. “O impacto social não tem a ver com selfies, mas com presunções de agentes individuais e controle e com quem tem direito do quê. É a primeira vez na história que as pessoas podem ser, ao mesmo tempo, o agente e o artista”, conclui.
TEXTO E IMAGEM
O ano do selfie é só mais um sintoma de que a imagem está tomando o lugar do texto nas comunicações. A timeline do Facebooktraz muito mais fotos do que texto; o Instagram ganhou o mundo; todo mundo carrega uma máquina fotográfica no bolso (o celular); e, por fim, Snapchat e Vine — aplicativos completamente baseados em imagens (fotos e vídeos, respectivamente) ganharam muito terreno em 2013.
“Ao combinar um meio conveniente e ágil de produzir fotos com uma conexão permanente e rápida à rede de amigos, o uso da fotografia como veículo de conversas entrou na vida das pessoas com surpreendente naturalidade”, analisa o fotógrafo Mario Amaya. Para ele, a linguagem fotográfica está mudando — e até os filtros fazem parte da comunicação: “Ao estilizar fotos com filtros, as pessoas estão querendo sair do que é considerado normal, imprimindo nas imagens uma visão pessoal e fora do padrão. O filtro escolhido também faz parte da mensagem transmitida”.
Pamela Rutledge explica que registrar um selfie em um contexto em muitos casos é mais eficiente para comunicar algo. “Informação visual é muito mais rica que texto. Se eu te mandar um selfie meu na praia, você recebe muito mais informação do que se eu te mandar uma mensagem escrito ‘estou na praia’”, justifica. Isso significa que popularização da tecnologia ou nossa vontade de receber aprovação não são os únicos motivos pelos quais estamos tirando tantos autorretratos e publicando-os. O clichê “uma imagem vale mais do que mil palavras” não é um clichê à toa.
Mas que ninguém decrete morte ao texto escrito! O sociólogo Ben Agger, da Universidade do Texas, diz que essas formas de comunicação já convivem harmoniosamente e vão continuar assim. “As imagens estão comunicando mensagens escritas, mas não substituem totalmente a escrita discursiva. As pessoas ainda escrevem, às vezes com pressa e às vezes bastante, e também postam imagens, incluindo fotos de si mesmas, e vídeos. O desafio é ler, interpretar e desvendar imagens para enxergar o ‘texto’ que elas realmente contam”, propõe. Ou seja, um selfie pode ser muito mais do que um selfie e talvez, instintivamente, todos nós saibamos interpretar as mensagens por trás dessas imagens. Afinal, se não fosse o caso, não estaríamos cercados por estas fotos.
Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2014/02/por-que-tiramos-e-postamos-tantos-selfies.html
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