Filosofia Circular

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

CRÔNICA:"A Vida Chata depois da Morte"


                                        Autor:Lula Falcão

A vida depois da morte tem uma série de inconvenientes. O primeiro deles é o fato de muito provavelmente não existir. Então, a pessoa morre e pronto. Nada. Zero. Acabou. Não entendo porque os ateus não caem na maior esbórnia, não tomam todas e não promovem orgias diárias. Afinal, é agora ou nunca. Mas são até bem-comportados e não cobram dízimo. 

Mas ai vem a questão mais complicada. Deus existe e depois do último suspiro a alma segue sua viagem para destinos que variam de acordo com as religiões. Os católicos, por exemplo, só dispõe de três: Céu, inferno e Purgatório, sendo que este último não é o terminal, mas um ponto de baldeação, uma escala. Deve ser o lugar mais caótico e congestionado do além, pois ali estão bilhões de mortos que não foram nem bons nem ruins em vida. Questões infindáveis devem passar pela cabeça dessa galera do além-túmulo: onde fica o balcão de informações? Que fila é essa? Onde compro uma cerveja? Pode fumar? Estou aqui há 70 anos e ninguém diz nada. Não por acaso a palavra purgatório está associada a sofrimento e castigo, mesmo durante a vida.

De acordo com os ritos latinos, no purgatório o espírito passa por julgamento particular em que o destino é especificado. Quem reclama da morosidade da Justiça brasileira nem imagina – ninguém imagina – o que é aquilo. Julga-se um a um ou há processos coletivos, como nos casos de formação de quadrilha ou bandas de Axé? Seja como for, uns vão para o Céu e outros para o Inferno. Mas o purgatório continua cheio, com novas almas chegando, completamente atordoadas, sem saber em que condução vão embarcar.

Sabe-se lá como, os processos são julgados e começa o check-in para o Inferno. A ordem é se livrar logo dos maus elementos. Pelo menos nessa ocasião, o nada é mais interessante. A descrição mais suave da nova morada é de um fogaréu descomunal, em que os mortos vão arder pela eternidade, mesmo aqueles que já foram cremados. 

O contrário é o Céu. A maioria das religiões descreve o Céu como um lugar maravilhoso, um paraíso, embora cada crença tenha seu próprio portfólio a respeito. Segundo a Bíblia e a Wikipédia, o céu é onde se encontra o trono de Deus. Também moram lá Jesus, os anjos e as pessoas que vieram do purgatório. Alguns privilegiados podem ter chegado sem escala. É o caso dos santos. Ainda de acordo com a Bíblia (com informações do site www.gotquestions.org), o Céu é uma cidade cheia do brilho de pedras preciosas e jaspes claros como os cristais. “O céu tem 12 portas (Apocalipse 21:12) e 12 fundamentos (Apocalipse 21:14). O paraíso do Jardim do Éden é restaurado: o rio da água da vida corre livremente e a árvore da vida está disponível novamente, dando fruto mensalmente com folhas que são para “a cura dos povos” (Apocalipse 22:1-2).

Informações mais práticas, nenhuma. Como afirma Woody Allen, não se sabe nada a respeito do funcionamento do Céu, seus horários, como é a vida noturna, o sexo etc. O certo é que, para os católicos, o céu é como o sonho da casa própria. O lugar onde se vai morar para sempre. Para sempre mesmo. Quem não gostar dessa Alphaville da eternidade, dançou. De lá nunca mais sairá. O consolo é ser melhor do que o Inferno – é o que dizem. 

Outra opção disponível na praça é voltar à Terra, encarnado em outra pessoa e, se não der sorte, numa lhama ou numa barata. Pode também vagar por ai, invisível, assustando as pessoas, mas essa hipótese tem mais amparo em Hollywood do que nas religiões ocidentais.

De qualquer maneira, morrer é sempre desagradável. Uma mudança muito brusca na sua rotina. Vai embora com a roupa do corpo, sem saber para onde e, pior, talvez para lugar nenhum. 

Vale destacar que o texto acima é de um leigo, ou seja, de alguém que nunca morreu.
Fonte: http://empilhandopalavras.blogspot.com.br/2011/11/cronicaa-vida-chata-depois-da-morte.html

sábado, 10 de janeiro de 2015

Por que tiramos e postamos tantos selfies?

Éuma tradição: anualmente o Oxford Dictionary escolhe um termo da língua inglesa que considera a “palavra do ano”. São conhecidos os debates entre os linguistas da casa ao redor do termo da vez, que raramente é unânime. Não foi o que aconteceu em 2013. “A decisão foi unânime, quase não houve discussão”, escreveu a equipe da secular publicação britânica em seu blog oficial. A palavra de 2013 foi “selfie”.
A palavra em si não é nova: há registros do uso do termo “selfie” para definir uma foto de si mesmo sendo usada em 2002, em um fórum australiano. Se a palavra não é nova, a ideia de tirar o próprio autorretrato é muito menos: as pessoas tiram selfies desde antes da chegada da câmera digital, reproduzindo uma expressão artística histórica — afinal fotógrafos e pintores os produzem há séculos. O primeiro selfie da história é atribuído ao fotógrafo Robert Cornelius, que em 1839 tirou uma foto de si mesmo. O retrato era a estética mais popular nos primórdios da fotografia, então há selfies de outros fotógrafos que datam da década seguinte. E de acordo com o mesmo Oxford Dictionary, essas imagens, mesmo que tiradas com um acionador a distância, também são selfies: afinal, foram reveladas e divulgadas.
Robert Cornelius e seu selfie (Foto: reprodução)
















É que a definição do Oxford Dictionary para selfies é bem abrangente na estética — qualquer foto que você tire de si mesmo é um selfie, mesmo que não seja do próprio rosto —, mas carrega consigo a ideia de publicação: “Uma fotografia que alguém tira de si mesmo, tipicamente registrada com um smartphone ou uma webcam e então postada em alguma rede social”. Ou seja: embutido no conceito do selfie vem o ato de publicá-lo. Para o Oxford, o selfie não publicado é como a proverbial árvore que cai na floresta sem fazer barulho: se ninguém o vir, não é um selfie.
O que mudou em 2013 é que nunca foram tirados tantos selfies. A terceira tag mais popular do Instagram é #me e a lista das celebridades que tiram autorretratos e os publicam online saiu da esfera pop, chegando até a líderes políticos: o presidente dos EUA Barack Obama e o Papa aderiram ao gênero em 2013. E há quem diga que isso é apenas reflexo do egocentrismo de nossa geração. Em um programa de rádio canadense no ano passado, o escritor Andrew Keen, autor do livro O Culto do Amador, que critica a produção de conteúdo na web 2.0, disse que selfies são “um ato de extremo narcisismo”. Até você já deve ter se questionado sobre as motivações de alguém que enche a timeline de redes sociais com fotos de si mesmo.
NARCISISMO DIGITAL
“A arte da autocomunicação em massa, termo cunhado pelo teórico da comunicação Manuel Castells, atingiu altos níveis de sofisticação desde a popularização das mídias sociais”, explicou à GALILEU a professora José van Dijck, especialista em estudos de mídia da Universidade de Amsterdã. “Essas novas plataformas — Facebook, Twitter, Instagram e Snapchat — alimentam uma tendência à autopromoção.” E surge a dúvida: sempre gostamos de nos exibir e os selfies apenas refletem isso, ou as câmeras frontais e o Instagram acabaram despertando nosso lado exibicionista?
A psicóloga Pamela Rutledge, que analisa o impacto das redes sociais e da tecnologia na sociedade, acredita que isso é natural. “Todo mundo busca aprovação. É parte da nossa composição biológica. Isso só se torna um problema se o indivíduo depender exclusivamente da aprovação dos outros para se sentir bem consigo mesmo. É um comportamento que não se restringe à internet, é mais um problema fundamental com autoestima e vai se manifestar em relacionamentos e comportamento offline, também”, explica.
Ela é otimista sobre a maneira como nós lidamos com estas formas de exposição online e diz que é forma de contato e comunicação. “Não há nada de errado com isso. É apenas uma prova de que nós temos valor entre nossos amigos e comunidades e nos faz sentir bem. Nosso cérebro funciona de maneira que, quando as pessoas demonstram gostar de nós, isso desencadeia uma resposta”, diz. E avisa: qualquer pessimismo em relação ao inofensivo hábito de postar fotos de si mesmo é exagero. “Dizer que a cultura dos selfies pode impactar a personalidade dos adolescentes e torná-los mais egocêntricos é exagero”, diz. “O impacto social não tem a ver com selfies, mas com presunções de agentes individuais e controle e com quem tem direito do quê. É a primeira vez na história que as pessoas podem ser, ao mesmo tempo, o agente e o artista”, conclui.
TEXTO E IMAGEM
O ano do selfie é só mais um sintoma de que a imagem está tomando o lugar do texto nas comunicações. A timeline do Facebooktraz muito mais fotos do que texto; o Instagram ganhou o mundo; todo mundo carrega uma máquina fotográfica no bolso (o celular); e, por fim, Snapchat e Vine — aplicativos completamente baseados em imagens (fotos e vídeos, respectivamente) ganharam muito terreno em 2013.
“Ao combinar um meio conveniente e ágil de produzir fotos com uma conexão permanente e rápida à rede de amigos, o uso da fotografia como veículo de conversas entrou na vida das pessoas com surpreendente naturalidade”, analisa o fotógrafo Mario Amaya. Para ele, a linguagem fotográfica está mudando — e até os filtros fazem parte da comunicação: “Ao estilizar fotos com filtros, as pessoas estão querendo sair do que é considerado normal, imprimindo nas imagens uma visão pessoal e fora do padrão. O filtro escolhido também faz parte da mensagem transmitida”.
Pamela Rutledge explica que registrar um selfie em um contexto em muitos casos é mais eficiente para comunicar algo.  “Informação visual é muito mais rica que texto. Se eu te mandar um selfie meu na praia, você recebe muito mais informação do que se eu te mandar uma mensagem escrito ‘estou na praia’”, justifica. Isso significa que popularização da tecnologia ou nossa vontade de receber aprovação não são os únicos motivos pelos quais estamos tirando tantos autorretratos e publicando-os. O clichê “uma imagem vale mais do que mil palavras” não é um clichê à toa.
Mas que ninguém decrete morte ao texto escrito! O sociólogo Ben Agger, da Universidade do Texas, diz que essas formas de comunicação já convivem harmoniosamente e vão continuar assim. “As imagens estão comunicando mensagens escritas, mas não substituem totalmente a escrita discursiva. As pessoas ainda escrevem, às vezes com pressa e às vezes bastante, e também postam imagens, incluindo fotos de si mesmas, e vídeos. O desafio é ler, interpretar e desvendar imagens para enxergar o ‘texto’ que elas realmente contam”, propõe. Ou seja, um selfie pode ser muito mais do que um selfie e talvez, instintivamente, todos nós saibamos interpretar as mensagens por trás dessas imagens. Afinal, se não fosse o caso, não estaríamos cercados por estas fotos.
Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2014/02/por-que-tiramos-e-postamos-tantos-selfies.html

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Midiota



O midiota, você sabe, é aquele cabra que não consegue pensar fora da caixa. Me refiro àquela caixa de 50 e tantas polegadas que fica de frente ao sofazão retrátil.
Willian Bonner, chegado a referências gringas, classificou – para o estarrecimento dos pesquisadores em comunicação que o ouvia – o telespectador do Jornal Nacional como um Homer Simpson; aquele gordinho preguiçoso e obtuso que vive o simulacro da TV como se realidade fosse.Vai vendo. Em 2013, pesquisa feita pelo DataFolha mostrou que 48% dos eleitores se declaravam conservadores sobre temas como drogas, aborto e políticas sociais; ou seja, uma gente predisposta a sair às ruas vestida de verde e amarelo, cantando o hino, rezando uma Ave Maria (que ave seria essa?) e pedindo uma intervenção militar. Na época, Reinaldo Azevedo se animou e, ao comentar a pesquisa, disse que eleitores de direita e centro-direita eram a maioria no Brasil, mas não tinham em quem votar. E reclamava, ainda, a falta de um partido que tivesse coragem de se declarar destro para pegar esse eleitorado.
Aécio Neves, obcecado pelo poder, se apresentou, faca nos dentes, olhos esbugalhados e uma super dose de vacina para cavalos na veia.Seu partido foi a reboque. Mais animados ainda, Folha, Veja, Globo e seus inúmeros veículos, inundaram o país com articulistas, colunistas e comentaristas conservadores. Poetas, geógrafos, filósofos, psiquiatras e até jornalistas se revezavam no papel, na TV, na internet e no rádio, alimentando o Homer Simpson, fortalecendo o seu discurso.
Afinal, Homer estava lá, sentadão, pronto a ratificar posições anti gay, anti PT, anti cotas, antiquadas e a favor de um golpe.
Assim, os barões da mídia iam formando o seu exército de midiotas.
Na CBN, botavam a voz de Odorico Paraguaçu toda vez que íamos ouvir a voz do Governo Federal – “Povo de Sucupira!” – era assim que eles desdenhavam dos eleitores de esquerda e centro-esquerda.
Jabor, na sua ridícula tentativa de imitar Nelson Rodrigues, fazia farra na TV com seus comentários rasos, jocosos e cheios de ódio.
Aquela era a ração do midiota.
Em 2014, o manchetômetro, criado por pesquisadores em comunicação, revelou o massacre de manchetes contra o governo.
Muitas vezes o contexto destoava do que vinha no texto da manchete; mas o midiota tem dificuldade de interpretação; pra ele o que vale é o que vem em caixa alta.
Dessa forma, por meio de chamadas, capas e manchetes tendenciosas, TVzonas, jornalões e revistonas ditavam o assunto do dia, ou agendavam, como preferia Maccombs.
Nas redes sociais, o midiota, acrítico, reproduzia tudo o que lia e ouvia.
Mas é preciso que se diga, todo esse discurso de ódio, medo, caos, xenofobia e racismo, despreza a ideia de nação, de coletividade fraterna, de solidariedade, de pacto social.
O discurso que alimenta o midiota se presta, tão somente, a defender a existência de dois Brasis, onde um serve apenas para servir ao outro.
Heráclito definia como idiota todo aquele que vive somente para si e se desloca das questões importantes para a coletividade.
Etimologicamente, o idiota (idio), é o sujeito ensimesmado que está mais preocupado com seu próprio umbigo.
Na Idade Mídia, também conhecida como Idade de Trevas, ele se converte no midiota, esse oligofrênico animal de rebanho que vocaliza, ventriloquamente, o discurso dos barões donos dos conglomerados de comunicação.
Em outubro, foram todos derrotados.
Dilma acaba de ser diplomada, Aécio e seu partido tentaram, até o último segundo, impedir a diplomação.
Os barões da mídia não se conformam.
Nas ruas e nas redes, os midiotas espumam pela boca. Sentem como se a derrota de Aécio e dos bilionários conspiradores – que têm muito a perder com a vitória de Dilma – fosse uma derrota deles também, que não perdem nada com isso.
Joseph Politzer já havia alertado, “com o tempo, uma imprensa mercenária, demagógica e corrupta, formará um público tão vil como ela mesma”.
Ela falava, vaticinosamente, sobre a midiotia.
Palavra da salvação.
Fonte: http://www.revistaforum.com.br/mariafro/2014/12/27/lele-teles-racao-midiota/